Mais um teste. Antígeno, desta vez. Já perdi a conta a quantos vou, mas penso que deve andar pelos quinze. Dinheiro bem empregue: tenho sempre pena dos laboratórios e clínicas onde os testes são feitos, coitados, permanentemente à míngua de uma côdea de pão. Vá lá, este vírus encheu-lhes os cofres. Bem precisavam e eu sinto-me orgulhoso por ser parte deste esforço colectivo, altruísta, sensato que consiste em encher os cofres das empresas ligadas à saúde. Os nossos (e muitos outros) preclaros governantes entenderam e bem o problema delas e fazem o que podem para as ajudar, se bem seja à custa do nosso dinheiro. De algum lado ele há-de vir e que eu saiba os governos não produzem riqueza. Gastam-na. Nem sempre tão bem gasta como neste caso, acrescento pressuroso. Vá lá que a miúda que me enfiou a coisa pelo nariz dentro era gira, simpática e sorridente, via-lhe o sorriso por trás da máscara enquanto perorava sobre a inutilidade desta palhaçada, etc. A verdade é que estava de mau humor, em parte devido ao cansaço - esta noite dormi pouco - e em parte devido ao teste. A senhora da recepção da clínica - coisa grande, pareceu-me, moderna e brilhante, parecia saída de um livro do Ballard - recebeu-me com um «por favor ponha a máscara em cima do nariz. Proteja-me» que me encheu de raiva, eu normalmente tão pacífico e contido e tudo. Fiz o que ela me disse, claro: aqui a maioria das pessoas anda de máscara na rua, apesar de já não ser obrigatório e não me apetecia nada ter de calcorrear a vila toda à procura doutro sítio para fazer o benfazejo teste que as nossas autoridades exigem. Há uma reciprocidade, note-se: as daqui também pedem. Os governos de todos os países da Europa, salvo uma honrosa e digna excepção, uniram-se neste esforço. Porquê, não percebo muito bem mas como eles sabem mais do negócios deles - adquirir votos - do que eu, calo-me. Aposto que vão todos ser reeleitos, toda a gente sabe que salvar empresas ligadas à área da saúde dá muita popularidade às autoridades junto de quem paga para as salvar. E de quem anda mascarado na rua, esfrega as mãos com gel, se afasta «socialmente» (há aqui uma contradição, não há?), etc.
Por isso fico contente cada vez que me enfiam aquela merda pelo nariz dentro (uma vez foi de cuspo, mas isso foi só uma vez. Suponho que com a zaragatoa as pessoas sintam realmente que estão a ser úteis, enquanto que cuspir para um tubo de ensaio parece demasiado fácil): ajudo empresas em dificuldade e contribuo para a reeleição do Dr. António Costa. As empresas retribuem, pondo miúdas giras na recepção e nas salas de recolha dos testes.
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Mas Nou é um lugar feio e chato, do que vi até agora. Um daqueles arrabaldes de Barcelona que consistem de uma praia, uma linha de caminho-de-ferro e cafés e casas de férias. Por sorte encontrei um café que vende vermute a dois euros o copo (enorme). Fica na «marginal»: quatro faixas de alcatrão a acrescentar à linha de comboio. Do outro lado via as copas das palmeiras a agitar-se e dois senhores a limpar os vidros da estação, que eram muitos. Suponho que seja actividade quotidiana. No passeio - o do meu lado da rua, do outro não havia - passava muita gente. A clara maioria de máscara. Cada vez mais me sinto agredido pela estupidez. Estou em carne viva, é o que é. Até gajos sozinhos com uma criança nos braços vi passar de máscara. Apetece gritar ou - melhor ainda - fazer como os putos que no Rio de Janeiro roubam comida e passar por esta gente toda a correr e a arrancar-lhes a focinheira do focinho.
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Amanhã vou a Lisboa, prova de que não há raiva que não tenha uma linha de prata a delineá-la. Ou duas: parece-me que me vou safar sem a vacina, pelo menos para já. Claro que financeiramente a troca é má para mim, mas vá lá. Fico com a sensação do dever cumprido: ajudo a salvar laboratórios e a reeleger oportunistas. Com o meu voto pode contar, Dr. Costa. Várias vezes por dia. cada vez que vou à casa de banho penso em si, comovido (eu. V. ri-se e cheira mal).
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Para além da fatiga e do teste, o catalão também contribuiu para alegrar o meu estado de espírito de hoje: não vi uma única palavra escrita em espanhol. Uma comunidade que troca a língua dos melhores escritores que a humanidade já produziu por este gargarejar infecto não merece tristezas. Não merece nada, aliás. O menu no restaurante onde fomos almoçar (soberbamente, é imprescindível dizê-lo) está em catalão. Peço à rapariga uma versão espanhola (percebo perfeitamente o que lá está escrito, mas gosto de espalhar a minha alegria de viver): «está no código QR.» «Também não falo isso.» «Então não temos.» Só alegria. Felizmente o excelente rodovalho no forno conseguiu amenizá-la e deu-me energia para ir até à clínica sem ver os idiotas mascarados.
Para além da fatiga e do teste, o catalão também contribuiu para alegrar o meu estado de espírito de hoje: não vi uma única palavra escrita em espanhol. Uma comunidade que troca a língua dos melhores escritores que a humanidade já produziu por este gargarejar infecto não merece tristezas. Não merece nada, aliás. O menu no restaurante onde fomos almoçar (soberbamente, é imprescindível dizê-lo) está em catalão. Peço à rapariga uma versão espanhola (percebo perfeitamente o que lá está escrito, mas gosto de espalhar a minha alegria de viver): «está no código QR.» «Também não falo isso.» «Então não temos.» Só alegria. Felizmente o excelente rodovalho no forno conseguiu amenizá-la e deu-me energia para ir até à clínica sem ver os idiotas mascarados.
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A hipótese de ir à Sardenha com o M. voltou para cima da mesa. Ainda bem: não gosto de portas mal fechadas.
A hipótese de ir à Sardenha com o M. voltou para cima da mesa. Ainda bem: não gosto de portas mal fechadas.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.