Estes diários de bordos têm andado escassos. Excesso de bordos e falta de diários, é o que é. Não me lembrava de quão absorvente isto é. Chego à metade da terceira semana de charter cansado mas não exausto como temia. Tive sorte com os passageiros, talvez seja por isso: uma família francesa, judia semi-praticante; outra espanhola, com duas raparigas giras e pirosas (uma é assessora jurídica do Vox e de burra não tem nada); e agora estas oito, que não sei o que fazem, são simpáticas e bonitas, o que não estraga nada.
Pontos a desenvolver: a variedade. Três semanas, três barcos, três grupos (se bem isto tenha que se lhe diga. Se variedade implica comer o que comi na semana passada e o barco desta, talvez seja dispensável). A capacidade camaleónica de nos fundirmos no meio continuando a ser nós. A falta nenhuma que o álcool me faz quando no mar. A dúvida: quero fazer isto o resto da minha vida (e respectiva certeza: não)? Outra dúvida e outra certeza: sei (ou seja, posso) viver sem isto? É uma sorte e ou uma maldição? Outra dúvida: como conciliar isto com a escrita? Está visto que pelo menos em charter são incompatíveis e preciso tanto de um como da outra. (Isto sendo o mar e a náutica de recreio, no sentido lato, o que talvez abra uma nesgazinha de porta: a) deixar de fazer «isto» profissionalmente e continuar a fazê-lo como hobby; b) continuar a fazer «isto», mas num trabalho em terra, desde que não tenha de entrar às nove e sair às cinco.)
Passei a noite em S'Aigua Dolça, onde cheguei à meia-noite. Vou para Macarella [não vim. Fui para cala Mitjana e agora estou em cala Galdana, mesmo ao lado]. De todos os achados, este foi o melhor: explicar aos clientes que arrancarmos de madrugada para eles acordarem num sítio diferente daquele em que adormeceram é uma boa ideia. Povoa-me a pior parte do dia (entre o meu despertar e o deles) e dá-lhes mais tempo de gozo na água.[Acabei por não sair de madrugada, mas o princípio mantém-se válido.]
Boa (ou estúpida?) acção do dia? Chego a cala Mitjana, que é pequena e apertada e para fundear sei que vou parar perto - muito perto - de um daqueles botes de aluguer sem carta, tripulado por quatro pujantes balzaquianas (no sentido original do termo, trintas) das quais uma estava nua, duas de mamas ao léu e outra vestida - isto foi o que vi muito de relance, não garanto a exactidão da contabilidade mas garanto a daquilo que vimos, o meu cérebro e eu. Ficámos ainda mais perto do que originalmente pensei, consequência sem dúvida de algum erro de leitura da sonda. Pensei, de tão perto estava, que as jovens semi-desnudas senhoras - entretanto já não havia nenhuma nua, o que me leva a concluir pelo engano na minha contabilidade original (ou então por um tão súbito como pouco provável ataque de pudicícia da senhora) levantariam ferro e iriam fundear mais longe. Não aconteceu tal. Ficaram ali, a meros dois metros de mim e do meu harém, como agora lhes chamo. O qual harém decidiu tomar o pequeno-almoço, etc.
A certa altura, incomodado por não poder olhar para lado nenhum - para onde quer que virasse a cara só as via a elas, as balzaquianas - resolvi recolher cinco metros de corrente, mas não serviu de nada. Continuavam ao meu lado. Resignei-me, claro. Já fizera tudo o que podia, que podia mais fazer? Nada e simultaneamente as senhoras decidiram levantar ferro. E não é que este estava entalado numa rocha e tive de mergulhar (oito metros) para o libertar?
Fica a pergunta: fiz o bem ou fui burro? É que mesmo não querendo, volta e meia não conseguia impedir o olhar de as ver, mesmo sem querer, insisto. (O harém de bordo não lhes segue o exemplo, nem o delas nem o meu, que me pus a andar de fato de banho com a expressa, explícita e solicitada autorização delas. Passam a vida completamente vestidas de bikini completo, oito miúdas que ainda não chegaram, pelo menos a maioria delas, àquele tão mágico quanto literário patamar.)
Pessoalmente, por mim, na minha óptica, do meu ponto de vista, na minha perspectiva acho que fiz bem. Além disso, e não despiciendamente, o gesto mereceu-me uma standing ovation do meu harém, muito mais importante para mim do que quatro balzaquianas semi-nuas num bote de aluguer.
Mais um ponto a desenvolver: a frustração de ter de andar sempre a motor, mesmo quando está um vento magnífico. Os passageiros querem ir a um sítio, não querem navegar e muito menos ficar num porto à espera do vento (admitidamente, aqui teriam de esperar muitos dias). Outra frustração: o meu P. não estar pronto. Quero um barco feito para velejar, não estes chaços feitos para imitar residências secundárias.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.