Fui buscar um copo de vinho para tomar os comprimidos da noite. Os da manhã tomo com leite. Evito beber água, faz-me pedras nos rins e pedregulhos na cabeça.
Enfim, o tema do parágrafo anterior não são os líquidos mas os comprimidos que agora tenho de tomar quotidianamente. Vejo isto como uma ingratidão do meu corpo, a quem sempre alimentei muito e bem. Doses enormes de álcool, hidratos de carbono e gorduras animais (os três pilares da minha dieta), poucos legumes e vegetais (tenho sérias dúvidas quanto à clorofila, não acredito numa coisa que torna as plantas verdes como os marcianos ou os enjoados), pouca água (sempre associei sede à cerveja). Além da alimentação: deixei muito cedo de fumar cigarros, um pouco mais tarde de fumar outras substâncias, sempre fiz pouquíssimo exercício - o menos possível, diga-se; enfim, sempre tratei bem a carcaça e que ela agora me retribua com comprimidos de manhã, à tarde e à noite acho repugnante. Tentei, verdade seja dita, dissuadir os médicos que me receitaram tais horrores mas não consegui. Foram taxativos: ou isso ou uma punição que não consigo sequer nomear, de tão infame. Resignei-me às coisas e aconchego-as o melhor que posso.
¡Qué vaya!: vivi até hoje como viverei a partir de hoje, com a possível excepção dos livros, que quero perto de mim. Que nunca mais me deixem. Eu retribuirei, prometo. O que não daria para ter agora um livro do Cavafys na mão, em vez de ter de me chatear com o Google. E daí saltar para o Quarteto de Alexandria percorrendo lombadas de livros... Puta que pariu o que vivi até hoje: tenho a morte inteira para morrer. Até lá, continuarei a viver. A prova é que estou enamorado, coisa que aos sessenta e quatro anos não sabia possível.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.