18.4.22

A estreia

Tinha tratado toda a sua vida como uma obra de arte. Enfim, uma não. A. Agora que a hora da estreia se aproximava assustava-se. Não sabia o que fazer: achava a obra tosca, incompleta, incompreensível, desorganizada. Quase um rascunho, no fundo. Porém, uma vez estreada não havia segunda chance. Uma das suas grandes fontes de angústia sendo que não tinha forma de saber quando seria a estreia - a menos que a convocasse ele mesmo, claro, hipótese que não punha de lado. O seu corpo fazia-lhe sinais incessantes, mas ele resistia. Nenhum lhe parecia suficientemente sincero para ser levado a sério. «Na melhor das hipóteses», pensava, «tenho vinte anos para acabar o trabalho. Mas desses, quantos terei de lucidez? E de força, já que esta faz parte da obra? Não sabia. Por enquanto, limitava-se a ignorar a questão. Deixava que a obra se fizesse a si própria, de certa maneira, limitando-se a dar um pequeno toque aqui e ali. Nada que a pusesse fundamentalmente em causa. «Uma obra de arte é o resultado de uma luta entre ela e o artista. Já lutei que chegue. Agora faço um intervalo e deixo a vida dirigir o trabalho. Depois logo se verá. A data da estreia ainda está longe.»

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