Qualquer pessoa com mais de dezoito anos sabe que o mundo é injusto; aos vinte aprende a aceitar esse facto singelo e irremediável. A vida é injusta, ponto. Saber viver limita-se a tentar estar no bom lado da injustiça, ou pelo menos num dos pontos do círculo em que se sofra pouco - a roda não está dividida em duas metades; a pizza do real tem muitas fatias. De tamanho desigual, é certo, mas quem as cortou fê-lo ao sabor do acaso e não segundo um plano premeditado. Nada a fazer senão tentar não apanhar a mais pequena de todas ou - ainda menos - aquelas em que te pedem para colaborares na farinha, no tomate e no queijo.
Uma das injustiças deste mundo é a Bottega Bolognese, sita no Mercat de l'Olivar (não fazem pizze, aviso) não poder servir comida a quem quer comer sentado. Regras do mercado: aquilo não é um bar nem um restaurante nem um snack nem nada que se pareça. É simplesmente um stand onde se fazem as melhores pastas do mundo e pouco mais. Quem quiser comer ali come de pé, «como os cavalos» (aspas porque cito o meu Pai).
(Outra injustiça é o brutal aumento de preço das ditas pastas, mas isso fica para depois.)
A carne não é a melhor que já comi na vida - a de Lubumbashi não tem rivais - mas é grelhada pelo Luis com amor, com ternura, com saber, com mão de mestre; e servida pelo Dani ou pela Karina com amizade, com ternura (a ternura é importante, mesmo quando se está soterrado em trabalho). O Luis grelha, o Dani serve e a Helena gere - isto dá para um artigo sobre empresas familiares, não dá?
Hoje limitou-se a dizer que sim, realmente estou mais magro. Respondo-lhe que como menos mas bebo o mesmo, ele sorri-me aquele sorriso cúmplice e rápido de quem está muito ocupado, eu janto meia dose (feita à medida, não está na carta) de picanha. Isto de beber o mesmo é uma pequena mentira, aceitável dadas as circunstâncias. Não bebo o mesmo. Bebo menos, muito menos. Pouco menos, às vezes. Mas sempre menos. O sorriso de Dani é de amigo - amigo de balcão, mas amigo. Aquilo está sempre cheio a abarrotar, eu felicito-me silenciosamente por não precisar de reservar - ela encontra sempre um lugar ao balcão para mim - e penso nas minhas casas. Em Lisboa tenho uma, agora, finalmente; em Palma tenho muitas; em Genebra tenho um sofá e uma família. No mundo tenho sorte.
A sorte é uma casa que leva muito tempo a construir. O mundo é uma sorte que já está quando a ele chegamos.
De passagem. Estou de passagem. Todos estamos. O que muda é por onde passamos, nada mais. Isso é pouco, bem pouco.
Os sistemas eléctricos das embarcações mudaram de tal forma que hoje olhei para o interruptor da bomba da retrete e limitei-me a fechar os olhos (ou seja: a tampa do quadro). Não percebo nada daquilo. Pergunto-me se a mesma incompreensão não se aplicará ao resto da realidade? É possível.
A minha relação com Palma continua a ser a de um paisano com a sua comunidade: vou jantar à Helena porque o Toni está fechado, bebo tinto de verano no Giuseppe, depois de jantar vou à Cantina porque o Jaume está fechado (que raio se passa nesta cidade? Está a abarrotar de turistas).
Dormir no P. é outro prazer inesperado. Como será, navegar aquilo? Recuo quarenta anos no tempo. Ainda não parei de dar cabeçadas em tudo quanto é sítio. É o barco a entrar, dizem os franceses. E os anos a sair, respondo eu.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.