Não se pode dizer que o cliente seja chato, que não é. Nem antipático, tão pouco. É só frio e forreta. Trabalha num banco de investimento e atribuo essas características a um stress profissional ou pessoal. O homem chegou stressado, isso é seguro. Agora já vai rindo um pouco mais. Vem com as filhas - três miúdas adoráveis entre os dezassete e os vinte e dois anos, aquilo foi de rajada - e ainda não ouvi a menor referência à mulher, ex-mulher ou mãe. Até ver, estão a gostar mas para mim tem sido um aborrecimento total. Sobretudo porque ele quer navegar, fazer manobras, "praticar". Clientes desses dão-me duas vezes mais trabalho e quatro mais aborrecimento.
O próximo trabalho é mais apelativo: dois senhores que querem adquirir prática - eu diria "à-vontade" - na embarcação de um deles. Contrataram-me por três semanas agora e mais umas quantas em Setembro. Só preciso de encher duas semanas em Agosto para ter a agenda composta - e mesmo essas tudo indica que já o estão. A ver vamos, como dizia o ceguinho.
A verdade é que esta semana fez-me claramente ver que não aguentaria um Verão inteiro de charters. Quando os clientes são porreiros ainda vá que não vá, mas com malta desta nem pensar. Até há meia dúzia de anos tirava o pólo e nadava nas escalas. Deixei de o fazer, pelo menos de motu proprio. Desde então só o faço quando os clientes mo autorizam, explícita e claramente. (É preciso dizer que a maioria o faz - não se deixa um homem derreter dentro de uma camiseta quando todos os outros estão de tronco nu). A este, a questão visivelmente não lhe passa sequer pela cabeça. Resultado: não trouxe pólos que cheguem e estou na lavandaria à espera que a roupa seque. Isto é, no restaurante ao lado da lavandaria. Por sorte é o do Club Náutico, aparentemente um excelente sítio para comida local. Vou experimentar, mal a roupa esteja seca. Lulas recheadas com carne. Até hoje não vi este prato em lado nenhum. Aposto que é bom.
É. Excelente. Não se compara às nossas lulas recheadas - nada se lhes compara - mas são boas. Este restaurante vai entrar para o rol. Ou melhor: já entrou.
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O cliente decidiu que sabe pilotar dinghies e agora é ele quem o comanda. Estou-me nas tintas, verdade seja dita: o homem tem bom senso e os riscos são limitados.
O problema desta malta é pensar que "adquirir prática" é estar na roda do leme ou na manette do motor fora de borda. Não é. Ninguém pode aprender a manobrar ao leme antes de aprender na proa ou na popa a manobra dos cabos e perceber bem o que ali se passa. Isto implica um grande número de manobras, umas falhadas outras não. Estes degraus não se sobem dois a dois. Um a um e dando tempo e atenção a cada um deles.
Assim, é um engano. Deixo-o acreditar porque não vou muito à bola com ele, é tudo. Se fosse, explicar-lhe-ia isto tintim por tintim. Se não fosse de todo, não o deixaria fazer as manobras ao leme. Como está algures no meio, deixo-o enganar-se.
Há enganos piores.
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