28.8.22

Diário de Bordos - Colonia San Jordi, Mallorca, Baleares, Espanha, 29-08-2022

De novo em Cabrera. O que eu sonho com fazer tudo isto um dia com uma tripulação de sonho, para mim, num barco meu... Clientes como estes, que «sabem» e «querem ajudar» dão-me mais trabalho do que os que me dizem logo de início que não sabem, não querem saber e confiam imenso em quem sabe. Ontem, por causa das «ajudas», pus o cabo do bote no hélice; hoje para amarrar a uma bóia foi uma tourada. Pergunto-me como seria se um dia eu fosse navegar de passageiro com um skipper responsável por tudo. Seria capaz de me calar e deixá-lo trabalhar em paz? Duvido. Mas também duvido que o atrapalhasse. 

Enfim, a verdade é que este charter veio a calhar, caiu do céu, os passageiros até são simpáticos, o barco parece uma casa flutuante - ar condicionado, gerador, dessalinizador, não há nada que o bote não tenha - e com um bocadinho de sorte até vamos ter vento.

O sistema de reservas de lugar em Cabrera é de uma ineficiência monumental. Utilizo este termo no sentido literal: é um monumento à incompetência do Estado. Os espanhóis não são grande coisa no que toca à net. Os formulários são imensos, tortuosos, pedem-nos o nome do papagaio do avô e do gato da avó e não perdoam o menor erro: a cada um é preciso recomeçar do zero. Em Cabrera, por causa disso, aposto que dez a vinte por cento dos lugares ficam vazios cada noite. Prencher aquilo no computador é chato e laborioso. No telefone, é uma versão moderna e digital do mito de Sísifo. Esta noite vou ter de voltar para Es Trenc, quase de certeza. Talvez amanhã esteja em Sant Elm a jantar no Es Raor... O charter termina quinta-feira, vou ter um dia de folga até ir para la Grande Motte. Este Verão está excelente. Só falta poder ficar com um bocadinho da massa que ganho.

.........
Cabrera faz-me lembrar um bocadinho a Horta: quando lá chegava mandava os clientes passear e ia tratar do barco e ou de mim. Aqui só trato de mim. Sento-me no xiringuito e escrevo, não faço nada ou então combino as duas coisas. Hoje infelizmente os senhores voltaram demasiado cedo e tive de interromper a escrita. Acabo-a em Colonia de San Jordi, onde cheguei feliz (sou um rapazinho pouco complicado): força quatro pela alheta durante duas horas é o suficiente para me pôr num estado de exaltação.

Pelo que vim comer à Pamboleria, o meu fornecedor de hierbas. O homem tem um prato chamado Devil's meat (o meu menu estava em inglês), com um aviso de que é muito picante. Bom, resumindo: a última vez que me aconteceu isto foi na Jamaica. Não consegui acabar o raio do prato, apesar de estar francamente excelente. Fiquei a meio. Vou começar a mandar vir aqui os indianos de Palma. E vou começar a vir aqui mais vezes, se bem não forçosamente para a carne do diabo.

............
Os clientes são porreiros. Este Verão foi - ou está a ser - uma maravilha. Muito trabalho e clientes na sua maioria simpáticos. Mas lá que preciso de uns bons dias seguidos de mar, preciso. Isto está a ficar preocupante. Há três meses acabei uma travessia, bolas. Já só sonho com a próxima.

.........
«Um jornalista é um tipo que fala do que não sabe e não nos diz o que sabe», costumava o meu Pai dizer. Deixou de ser verdade, pelo menos completamente: agora, só a primeira oração da frase é verdadeira. A segunda desapareceu: os jornalistas deixaram de saber.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.