19.8.22

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 19-08-2022

Ao contrário do que eles pensam, os argentinos não têm a melhor carne do mundo. Têm uma carne excelente, o que é diferente. (Preciso é dizer que não são os únicos a pensá-lo.) O que eles têm, isso sim, é um molho para as carnes que está,  sem sombra de dúvida, no primeiro degrau do pódio, categoria molhos não picantes. Chama-se chimichurri e quando é bom é uma das raríssimas coisas (não picantes) que se pode juntar a uma boa carne. (Na categoria picantes é o molho da região dos Grandes Lagos, na África Central. Mas não falemos nisso agora, que ainda me faço chorar.)

Vim ao merendero Minyones comer um magnífico prego. Carne de Mallorca - estupenda - chimichurri da casa (descobri hoje que os dois irmãos são argentinos), vinho tinto fresco não sei de onde, esplêndido e generosamente servido, brisa a atenuar o calor e zero turistas, zero redondo como o vocábulo do outro. A comparação é má: aquela canção é uma seca. Vale pela forma do zero, redondinho. Nem um para amostra.

Quando terminará este horrível mês de Agosto?

Enquanto houver Merendero Minyone pode continuar (que não vá de férias, claro. A maneira de se distinguir os estabelecimentos cuja clientela é local dos outros é que estes não fecham em Agosto. Os locais fecham, porque os maiorquinos pura e simplesmente desertam a ilha em Agosto, no que de resto estão podres de razão. Esqueci-me de lhes perguntar. É um dos sítios aonde quero trazer o meu neto Leonardo, ver se ele já pode comer carne grelhada como deve ser, com chimichurri. Aos cinco meses duvido, mas nada como experimentar).

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Não é todos os dias que venho escrever para o Born 8. Se nestes últimos quatro anos entrei aqui meia dúzia de vezes já é muito. Hoje não resisti: a entrada das traseiras fica mesmo à frente do Minyones e passar asim numa ponte por cima do rio social, passar da margem baixa para a alta (baixa não é correcto. Local) é um dos prazeres de que não abdico. O meu Pai dizia que um bom marinheiro toca em todos os portos - o subtexto era um bocadinho diferente, mas isso fica para outro dia - e eu digo que um bom marinheiro está bem em qualquer mesa (subtexto idem, mas menos subtil. Continuamos dentro do mobiliário). 

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Hoje tirei a retranca do P., finalmente. Foi necessária a ajuda do B., que está cada vez mais P.T., Deus lhe valha. Foi convidado por um príncipe árabe para ir duas semanas ao Dubai treiná-lo, ou coisa que o valha. Como treinador pessoal o rapaz deve ser melhor do que como marinheiro, suponho. Não sei. Sei que o conheço, conheço-lhe os defeitos e as qualidades e gosto de trabalhar com ele. Não sei exactamente como é que o pessoal dos recursos humanos gere estas situações, mas eu prefiro um diabo que conheço ao rei dos diabos que nunca vi mais gordo. Talvez seja o meu lado cavernícola. Tenho imensa confiança nessa fase da humanidade: começámos em cavernas e acabámos em Veneza ou Nova Iorque? Isso sim, são fundações (as cavernas, claro).

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Tenho de comprar óculos para ler, compra essa que tenho feito passar para trás da lista cada vez que avança um passo. Por baratos e provisórios que sejam, a perspectiva de usar óculos outra vez congela-me. Mas a verdade é que me custa cada vez mais ter estas dezenas de livros (não é hipérbole) para ler e não o conseguir fazer. Ontem comprei dois Vila-Matas e um Ignacio Vidal-Foch (conselho da minha querida J.), para além de um estóico qualquer cujo nome não recordo e escreve sobre a arte de ser livre.

Se há liberdade que me parece ilusória é a dos estóicos - trocam algumas prisões pela prisão total, que é a pretensa ausência delas (não confundir com o mar, prisão absoluta e portanto liberdade absoluta) - mas como já tenho La vie heureuse de Séneca na pilha pareceu-me bem complementá-la com um texto sobre a liberdade do qual também pudesse discordar em paz e parcialmente.

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O serviço em Palma é francamente mau. Não haverá escolas de hotelaria por aqui?

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Os argentinos não precisam de um Marcelo a dizer-lhes que são os melhores do mundo, que tudo o que é argentino é melhor do que tudo o que não é, etc. Acho que devíamos mandar o nosso presidente para a Argentina. Coninuaria a ser irrelevante, mas ao menos encontraria ouvidos concordantes.


(Cont.)

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