13.9.22

Diário de Bordos - Macinaggio, Córsega, França, 13-09-2022

Voltei ao U Culombu (e não Culombo, como escrevi ontem, não tarda corrijo). O jantar foi magnífico, uma espécie de carpaccio mas morno e com as fatias de carne mais grossas. Não consigo perceber porque é que fora de Portugal se pede carne muito mal passada e ela vem muito mal passada e no nosso país vem hiper cozida. Enfim, o nosso vinho é melhor do que o corso, que mais parece uma mistura de vinagre com açúcar mascavado.

Mas a parte interessante do jantar não foi essa. Foi ficar a saber pelo dono lui-même que é casado com uma senhora portuguesa de Braga e que no fim do Verão fecha o restaurante e vai para Portugal, onde passa seis meses por ano. Acha aquilo "muito melhor, mais aberto, apesar de ser corso". Confesso que concordo com o homem. As sociedades mediterrânicas não são um modelo de abertura, por um lado; por outro, se há coisa de que gosto em Portugal é da nossa tolerância, do nosso laisser-faire. Bastante erodidos, é verdade (a modernidade tem o dom da ubiquidade), mas o que sobra chega para dar cartas.

.........

Último dia de trabalho com o P. Amanhã vou-me embora. A psicologia da forretice é uma coisa que me fascina - já fui ajudado por pessoas extremamente forretas, coisa que acho mais extraordinária do que sê-lo por quem é naturalmente generoso. Hoje assisti a uma cena que não tem a ver com ser agarrado ao dinheiro, mas que é ilustrativa. 

Tratava-se de subir, esvaziar e arrumar o dinghy, que estava amarrado à proa (estamos no Mediterrâneo, as amarrações são de popa para o  cais). Do outro lado do cais e dois lugares para o lado está um lugar vazio. Foi lá que pusemos o bote na água, novinho em folha. À tarde, o lugar ao lado de nós ficou vazio e quando se tratou de tirar o coiso da água pensei que usaríamos esse lugar, mesmo ao nosso lado. Não. P. foi dar a volta ao cais. Os franceses têm um termo para isto, chamam-lhe psico-rigidez. Numa pessoa inteligente, educada, amável como ele não deixa de ser surpreendente. 

Isto dito, continuo a achar a alta-burguesia francesa muito mais interessante do que a nossa. O equivalente português do P. teria comprado no mínimo um cinquenta pés e teria vindo o caminho todo a dar-me explicações de navegação. P. comprou um trinta e um (pés, não chatices) e veio todo o caminho a tomar notas do que eu lhe dizia.

........

Telefone de A. Diz-me que tem possibilidade de trabalhar num Swan 68 e pede-me algumas informações. Já não sei quem dizia que não é o talento que paga, é a perseverança. A esta deve acrescentar-se o talento para se vender. Deus sabe que não sou invejoso, mas porra, bem podia ter-me dado um bocadnho mais de jeito para a conversa. Ou para o dinheiro: verdade seja dita, entre o meu P. e um Swan 68 escolheria o primeiro, sem sombra de hesitação. A liberdade não tem preço, por muito cara e chata que seja.

........

Vou ter de ir ao Porto tratar da vista e das amizades, duas coisas igualmente importantes.

........

Gosto de Setembro: acabou o calor e não chegou o frio. Amanhã levanto-me às cinco e meia da manhã e tenho de pôr o casaco de lã que comprei em Barcelona. Mas nas pernas levo os calções. É uma boa mistura. Ainda não sei onde vou basear-me nas Caraíbas este Inverno, mas se for em Saint-Martin terei muitas noites assim.

Adenda: afinal o casaco foi para o saco e isso deixa-me contente. Va savoir.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.