31.3.23

Diário de Bordos - Genebra, Suíça, 31-03-2023 / Cont.

Para dizer a verdade, a exposição não foi a única coisa que me trouxe a Carouge. Às sete e meia da tarde havia um concerto no templo. Estava um bocadinho desconfiado: Mozart, Schubert e Schönberg. Mas fui (era convidado, de qualquer forma. Teria sido mal-educado não ir), o que só prova que todos devemos agradecer à boa educação e à capacidade de vencer a desconfiança. O concerto foi absolutamente sublime. Aviv String Quartet, para quem estiver interessado. De todas as minhas imperfeições, a mais imperfeita, aquela com a qual mais me custa viver é esta incapacidade total para a música. Soube recentemente que isso tem um nome: amusia. 

De todas as formas do silêncio, a música é a mais bela. Invejo aos músicos esta capacidade de comunicarem entre si, unidos por aquela parte da música que não se ouve - ou pelo menos un amúsico não ouve. O mais parecido que conheço e vivi (há tanto tempo...) são as manobras numa embarcação de regata com uma tripulação treinada. Não há uma palavra. O táctico ou o navegador dizem «Cambadela (por exemplo) em três comprimentos»; «dois»; «um»; «cambar» e a tripulação une-se pelos olhares dois a dois porque cada tipo à proa tem um par atrás do mastro e a manobra arranca, executa-se e termina sem mais uma palavra. Obviamente, há uma diferença de complexidade e de duração entre uma peça de música e uma manobra, mas são estas que me deixam entrever a felicidade que leio nos olhares dos intérpretes - sobretudo quando, como hoje, estamos na primeira fila, a dois metros mal medidos do grupo.

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Os posts deste blogue parecem-me uma espécie de tsunami: começam pequeninos ao longe, mal se vêem porque estão perdidos numa esquina esconsa de sinapses e depois vão crescendo, crescendo até rebentarem na praia (são tsunamis pequenos, graças a Deus). O «turbilhão» foi assim: veio de lá de trás, sei lá quando, começou a tomar forma no autocarro do aeroporto para casa da S. - paradoxalmente por causa da suavidade das ruas, passa-se três quartos de hora num autocarro e não há um solavanco e pus-me a comparar com uma viagem no velhinho quarenta e cinco em Lisboa, ou no vinte e sete (vade retro)... Bom, pouco importa. Deixemos a suavidade para outras ondas.

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Depois do concerto fomos jantar a um restaurante italiano ali perto. Comi um spaghetti com algas espirulinas e ouriços do mar que estava simplesmente de cair para o lado. Não menciono o vinho e a sobremesa para não pôr os meus simpáticos leitores a correr para a praia mais próxima à espreita de uma gigante, uma onda avassaladora. 

(E depois, há que lembrarmo-nos: um turbilhão traz e leva para trás. Não tarda estarei feliz por me ir embora.)

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