17.4.23

Diário de Bordos - Lisboa, 17-04-2023

No dia seguinte à noite em que tomo Flexiban para dormir fico mole, molengão, preguiçoso. Hoje foi um desses dias. O que me chateia mais é ter tomado a porcaria do comprimido por preguiça, simples preguiça: de suportar as dores do ombro direito (mas ao Flexiban acrescentei um Tramadol, maldita mandriice), preguiça de pensar na R., de pensar no P., de pensar tout court, preguiça de tudo. Depois de um dia extenuante a não fazer nada, quase nada - dois ou três telefonemas, um e-mail, duas micro-compras - peguei na bicicleta e vim por aí abaixo a pedalar o mais devagar possível, o estrictamente necessário para a manter na vertical, até ao Señor Ibérico, o meu espanhol favorito de Lisboa e de algumas partes de Espanha. Esta tortilha bate-se de igual para igual com as melhores de Palma, apesar de levar cebola, coisa que acho prescindível numa tortilha. É onde agora bebo um copo de tinto enquanto espero pelo M. e oiço dois gajos insuportáveis na mesa ao lado. Não sei se são brasileiros, portugueses ou espanhóis - o espanhol deles é fluente, isento de sotaque e quando falam português por vezes descambam para o brasileiro. Porém, seja qual for a língua que falam só dizem disparates. Dois machos alfa nos trinta e muitos, quarenta e poucos que me fazem sentir um esboço de uma sombra de um princípio de simpatia pelo feminismo. Felizmente foram-se embora pouco depois do M. chegar. 

Está calor, uma temperatura que acompanha bem a gentileza das pessoas (em geral, não especificamente dos dois primatas da mesa ao lado) e a moderação dos preços. Que mais há a prender-me em Lisboa? Os amigos, a cultura, as livrarias (estas são parte do item anterior), os sítios como o Señor Ibérico, as coisas que aqui vivi. Nada que não se encontre noutro lado qualquer? Há mais uma: olho para os prédios à minha volta e sei como são por dentro, apesar de nunca neles ter entrado.

Não sei. Esta é a expressão que mais me vem à mente nestes últimos tempos. Espero que ceda rapidamente o lugar a outra. Qual outra? Não sei.

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