23.5.23

Diário de Bordos, Lisboa, 23-05-2023

Querido diário:

No fundo, só tenho quatro coisas que me arreliam: o P., a R., os olhos e o ombro direito. Não me devo queixar: há quem tenha muitas mais. E se nisto das maçadas o que conta for a qualidade e não a quantidade? Tão pouco me posso queixar: qualquer destas fontes de chatice é poderosa, desestabilizante e cansativa. Sinto-me como um forte dos cowboys assediado por todos os lados por índios ululantes, brandido flechas ardentes e lanças certeiras. Contra eles, os meus escudos são fracos: duas boas críticas ao próximo livro, a certeza de que o meu amor pelo P.  será correspondido, a esperança... Cala-te. A esperança não protege ninguém de nada. Só serve para enganar tolos. Aqui, queremos certezas, nada mais do que certezas. Deixa a esperança para a Santa Casa da Misericórdia, é a especialidade deles.

.........
O DV é uma obra de ficção. Que vida não o é? Todas são ficcionadas, umas de uma maneira outras de outras.

........
Acordar e não ter de se pentear é uma coisa à qual um homem se habitua depressa. No meu caso, representou também um acréscimo de despesa: de uma vez por ano, as minhas idas ao barbeiro passaram a quatro. Felizmente, as barbearias orientais reequilibraram a balança. Não sei como fazem para ganhar dinheiro - a cortar cabelos não é de certeza - mas isso é-me relativamente indiferente. A verdade é que venceram o meu cepticismo por KO.

Benefício colateral: oiço mais vezes " o cabelo curto fica-te bem". Não é que acredite, mas a idade amolece um homem.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.