20.7.23

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 20-07-2023

«El calor idiotiza a las gentes», diz-me Diego, um baixo que conheci em Antigua e com quem me dei há uns anos. «Y a nosostros también», conclui. Nós sendo os músicos. Diego toca muito na rua, aliás era o baixo de uma excelente banda que tocava na rua e da qual uma então namorada minha era a cantora. Ou colaborava de vez em quando, já não sei. Está com os cabelos mais brancos e os dentes mais estragados, sinal de que não deve ter diminuído muito a inalação de certas substâncias. O rapaz toca bem. Falta-lhe pouco para ser um grande baixo, mas o duo que agora faz com um senegalês é bastante agradável de ouvir. Por vezes, penso que a minha bicicleta BH Glasgow também se deixa idiotizar pelo calor. Está lenta, pesadona, hesitante, ela normalmente tão viva e lesta. Nunca sabe para onde quer ir. Como eu, de resto, que ando aqui a --- (procuro morfondre no dicionário e dá-me lamentar. Não é nada disso, pá) lamentar-me barra hesitar barra desanimar barra não saber o que fazer: ir amanhã a Blanes buscar a merda do bote ou ficar para jantar com o V. e se calhar com os outros? O mais provável é ir: preciso de mar, nem que seja na porra de um bote a motor. Por outro lado, ir amanhã ou sábado é a mesma coisa.
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Comprei três gyotaku ao filho do Jaume Salvadiego. Gastei mais do triplo do que esperava, mas o rapaz vem de Manacor e estava todo comovido e fez-me um montão de descontos. Quando tiver uma casa terei imensas coisas bonitas para pôr nas paredes. Só me falta a casa. E um bocadinho mais de dinheiro, mas isso é outra história. O dinheiro é como aquela história da roupa de que se necessita para uma viagem: depende do volume que se tem para a transportar. Se for muito, precisa-se de muita roupa; se for pouco, de pouca. A melhor maneira de precisar de pouca roupa é ter sacos pequenos. Com o dinheiro é a mesma coisa: basta não o ter para não se precisar dele. E não ver gyotaku.

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O P. mexe-se  que nem uma alma danada no fogo do inferno. Este lugar é horrível. Já pedi ao E. para me mudar, mas agora vem aí a Copa del Rey e nem pensar. Lá para Setembro, diz-me. Lá para Setembro não valerá a pena, penso mas não digo nada porque este barco tem um elástico na popa que o prende a Palma e enquanto não o vir cortado não digo nada.

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Festa de despedida da N. e do R. no Lo Divino. A burra pede-me encarecidamente para não ir, mas vou. Duche, roupa decente, cortar unhas, lavar dentes... felizmente não preciso de me pentear, o cabelo foi cortado anteontem em Lisboa - tudo isto depois de um brevíssimo repouso. Não me posso esquecer de ver as previsões para amanhã. O ideal seria parar em Tarragona, sempre tenho lá o Mauro. O ideal será parar onde tiver de parar. Preciso de mar, para ver se paro de me morfondre.

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Mocassines, jeans, camisa e casaco brancos de linho, panamá de cerimónia. O mínimo que se pode dizer é que me aperaltei para a festa. O máximo é que sou o único nestes atavios. Paciência. Nunca me importou muito ser o único em coisa nenhuma, não é agora que vou começar. (Algumas senhoras também estão vestidas. A maioria delas e eles todos estão com a roupa habitual do aqui, agora: aqui Palma, agora Verão.)

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Sou, sempre fui, completamente incapaz de estabelecer comunicação com outras pessoas em festas ou grandes ajuntamentos. Sentei-me numa mesa vazia e pouco depois chegou uma professora de ioga que conheço vagamente daqui. A senhora partilha a minha incapacidade em conversa de circunstância. Acresce que tem o sentido de humor de um bloco de granito. Foi numa conversa com ela há umas semanas que me ocorreu a ideia do ioga para elefantes e para tartarugas. Disse-me que não era possível. Agora foi buscar vinho (do meu, ela está desempregada) e posso escrever enquanto penso na miúda que entrou há bocadinho, modelo para o Helmut Newton - pernas até às orelhas - linda de se morrer e ressuscitar vinte vezes seguidas. Saiu-me da linha de visão, que pena. O que eu gosto do Newton não tem descrição. 

A jovem modelo newtoniano voltou ao seu abençoado lugar; e acabo de ver um senhor de calças e de camisa de mangas compridas. Já não sou o único. (O gosto da camisa é discutível, mas não estamos aqui para analisar pormenores.) A professora de ioga trocou-me por um lugar ao balcão, coisa que agradeço porque assim posso escrever. Quando não havia telefones portáteis era pior. 

Alguém me sabe dizer porque é que as mulheres muito bonitas andam sempre com um monstro atrelado? Uma vez perguntei à minha filha mas ela zangou-se e não respondeu. Sou um rapazinho curioso e sensível e gosto de me informar.

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Conceito a elaborar: beleza tranquila,  por oposição a beleza explosiva, espampanante (de que não gosto).

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Se continuo a olhar para ela desta maneira a rapariga vai pensar que sou míope. 

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Plano para amanhã: dormir até ser demasiado tarde para ir a Blanes.

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