Trinta e poucas horas em Lisboa para fazer mais exames à vista e acessoriamente para tratar da carta de condução, caducada há mais de um ano. Esta conjunção de olhos, ombro, P. e BP vai ficar na minha história. É verdade que os dias antes da regata da ESA foram piores - mas foram poucos. O mesmo com os dias antes da regata dos 18' em Itália. Agora não é bem um período de tempo. É uma amostra da eternidade: não tem princípio nem fim. É como se tentasse fechar um quadrado e nenhuma das arestas se mantivesse no lugar. Espero vivamente que o P. se resolva em breve. Depois será o BP. A vista ficará provavelmente para o fim - dos que têm resolução. O ombro não sei se tem. Ultimamente tem doído menos, vá lá. Depois disto tudo, poderei atacar o problema da habitação. Começar por decidir onde. A tentação de sair de Lisboa é grande, mas a verdade é que hesito. Não posso andar com a tralha atrás de dois em dois anos. Nestes últimos vinte anos os períodos foram mais curtos, mas a tralha era consideravelmente menos. Agora quero dar inicio a um ciclo de vinte anos, findo o qual não haverá tralha a transportar.
A minha carta de condução expirou. Daqui a um mês terei a nova. O passaporte também expirou, mas ter um novo foi mais rápido. A carta de patrão de alto mar expira daqui a quatro anos, nas tenho de ter cuidado porque se não pedir a renovação dentro de um prazo muito curto terei de fazer o exame. Mais uma aldrabice do Estado para angariar umas massas. Ou se calhar nem isso: é mesmo só incompetência.
Não me apetece nada lidar com cartas, casas, documentos, mudanças, operações aos olhos, dores nos ombros. Tão pouco quero lidar com catalães caracteriais ou com fornecedores de serviços com demasiado trabalho. Não quero lidar com nada daquilo que agora me rodeia, esta aventesma gelatinosa na qual ando e não chego a parte nenhuma.
No meio disto tudo esqueço o livro e a exposição. Daquele já tive a reacção do João R., que chega para me apaziguar o ego e as dúvidas pelos próximos dez. Já daquela continuo a perguntar-me. Tenho medo de estar a atrair as pessoas para uma coisa sem interesse nenhum e só não tenho medo de não vender nada porque aquilo de que estou certo não me assusta. Pelo menos terei parcialmente realizado o meu sonho de contra foto grafare, sonho velho mas ainda vivo e sem bafio.
Agora passemos às coisas importantes, também conhecidas pir fluxo de consciência. Não tenho pequeno almoço a bordo. Estou sentado na parte traseira do avião, já passaram por mim muitas miúdas (de todas as idades) e nenhuma tinha perfume. Fico com o cheiro da comida que os meus vizinhos encomendaram, spaghetti e qualquer coisa tikka masala (frango, claro). Não sei se fiz bem em arriscar a ida ao armazém amanhã. Se calhar como também, ao menos assim junto o olfacto à vista. Encomendei spaghetti. Em Palma o homem do táxi vai ter um ataque quando lhe disser que vou para a Cardenal Rossell. O sino que o David P. F. me ofereceu ficou lindo. Vamos chegar "dez minutos antes da hora". O truque das companhias aéreas devia ser revelado. Tenho de tratar do transporte do BP para Portugal, mas com pavilhão espanhol. Ou português? Ou himalaiano? O P. volta ao espanhol, isso é certo. E eu, sob que pavilhão vou navegar estes próximos vinte anos? Haverá forma de os reduzir um bocadinho? Já paguei o jantar e aterramos daqui a pouco. Por um lado, espero não ser obrigado a pôr um boomjack rígido. Por outro, chateia-me navegar sem amantilho. Hoje fiz uma grande parte do trajecto entre o IMO e o Arco do Cego em ciclovia. É inegavelmente bom. O Tentações de Goa é excelente. Estes fluxos de consciência são uma seca, não são? São.
Quase a tocar com os pneus na pista? Não. O trem ainda nem sequer saiu. Agora sim. Faltam as pancadas de Molière para os flaps, mas este avião parece ser dos silenciosos. Interromper o fluxo de consciência é fácil. Difícil é não o pespegar aqui. Quem começou foi ele, não fui eu. Aterragem Schweppes, como os pilotos lhes chamavam antigamente. Está na hora de interromper os fluxos.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.