27.7.23

Escalas cronológicas

Que os portugueses não têm bem a noção do tempo - ou que têm dele uma noção peculiar - é do conhecimento comum. Qualquer trâmite administrativo dura meses ou anos, que as pessoas aceitam bovinamente; deixar para amanhã aquilo que se pode fazer depois de amanhã não passa pela cabeça de ninguém. Deixa-se para depois de depois de amanhã. Chegar atrasado a uma reunião ou a um jantar é visto como sinal de status ou - no caso do jantar - de boa educação. Os portugueses só têm pressa no trânsito, se forem condutores. Os carros ainda são uma novidade e eles querem aproveitá-la ao máximo. E para entrar ou sair dos aviões. 

Olho para a fila de embarque no avião que me vai levar para Lisboa e tenho um vislumbre: esta gente não tem nenhuma noção peculiar do tempo. Ela vive é noutro tempo. Vive no passado. O tempo não passa, apesar do nome passado. Esperar um ano e meio por uma licença? Isso foi pedido ontem. Uma carta de condução leva um mês? Meia hora, em luso-tempo. Estão vestidos à moda e com o olhar compenetrado do português que vai andar de avião ou comer um pastel de nata mas na verdade estão onde estavam ontem, anteontem ou há um ano. Ninguém avançou um passo que seja, apesar de a fila estar quase a chegar ao fim. 

Ainda tenho por escrever o artigo sobre a câmara municipal de Oeiras e o ano e meio que levou a conceder uma licença que já tinha emitido. Agora percebo melhor: um ano e meio ou um dia e meio tem o mesmo valor na escala cronológica do português. 

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