25.8.23

Diário de Bordos - No mar, de Ramsmora para Cascais (etapa Cuxhaven - Scheveningen)

Estes cabrões (desculpem, não há outro termo) conseguem transformar a navegação num trabalho. Não merecem qualquer espécie de consideração. Não percebem nada do que é estar no mar, ir por mar de um sitio para outro, viver no mar.

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Tal como suspeitava, Cuxhaven não é a cidade mais encantadora do mundo. Ainda não encontrei um café onde sirvam à mesa e só vejo velhos, todos avariados, de andarilho ou cadeira de rodas motorizada, a grunhir porque atravesso fora da passadeira ou com o sinal encarnado.

Uma coisa porém tenho de lhe agradecer: pela primeira vez nesta viagem pude vestir uma t-shirt e uns calções. 

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25-08-23

Sozinho à noite no poço da embarcação. Melhor do que isto só se fosse à vela mas não se pode ter tudo. A noite está linda, fria, tranquila, a visibilidade é boa. Nem o raio do barulho do motor consegue estragar isto. Volta a ser navegação, não é só trabalho como tão frequentemente tem sido. Cada vez penso mais na tabela de preços do americano: trezentos e cinquenta por dia. Com o dono a bordo, quatrocentos e cinquenta. 

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É preciso dizer que P. é adorável e não merece de todo o epíteto com que abri o texto. O problema é que uma coisa é ser adorável em terra e outra totalmente diferente perceber que a navegação é uma mistura de técnica, magia e estética. Reduzi-la à sua condição técnica  - sendo, para mais, incompetente - destrói a paciência e a tolerância do mais humano e humilde dos marinheiros. 

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Vamos ter de parar noutro porto qualquer para deixar passar uma frente. Felizmente é rápido - se o GFS e o ECMWF tiverem certos. Se for o UKMO a ter razão ficamos dois dias.

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(Cont.)

A paragem vai ser em Scheveningen, aonde já estive há uns anos para uma escala igualmente curta. De passagem. É esse o meu status, sempre. E o título do meu próximo livro, já agora.

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O tempo continua chato, cinzento, rabugento, frio e sem vento, ainda por cima. O motor não pára de fazer barulho e eu de vestir a roupa de mar - não por causa da chuva, mas do frio.

A isto acresce a chatice de vir com o dono a bordo. Um gajo bem pode dizer-lhes que ser proprietário e ser skipper são dois trabalhos diferentes e que cada macaco no seu galho, mas de nada nunca serve. Se a ignorância é sempre atrevida, quando aliada à propriedade torna-se mortífera. Ou será ao poder? O meu Pai contava a história do comandante de um iate real que desobedeceu a uma ordem da rainha dizendo-lhe que não iam para o porto que ela queria e sim outro "e mal cheguemos desembarco, para não ter Vossa Majestade necessidade de me despedir (esta última parte é invenção minha, mas não deve ser muito diferente do original)." Ideia essa de resto que já me passou pela cabeça várias vezes e não foi posta em prática porque na verdade o P. é um tipo porreiro (enfim, isto ainda está por confirmar. A ver, como dizia o ceguinho. Até ao lavar dos cestos...) e porque a situação não precisa de soluções tão drásticas. Isto para não mencionar o guito, de que tanto preciso: próxima operação ao olho esquerdo, P., B. P., exposição e - a esperança é a última a morrer - encontrar uma casa, se possível fora de Lisboa. Os meus livros querem ir para o campo e eu vou atrás deles, feito pastor. (Não sei se os pastores andam atrás ou à frente do gado mas pouco importa.)

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