22.9.23

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 22-09-2023 / II

O Outono está aí à porta e fui ao Google ver quando começa. Amanhã às oito e quarenta e nove suponho que da manhã e hora portuguesa (UTC menos um, ou seja às zero sete e quarenta e nove Greenwich, não percebo por que raio mudaram GMT para UTC ou melhor: percebo mas acho uma estupidez, se bem seja pequena e mais ou menos irrelevante). Ou às zero seis e cinquenta,  segundo outra página. Já nem na Internet se pode ter confiança, isto é dramático. Felizmente estou-me relativamente nas tintas para a hora do equinócio e posso viver bem com esta ambivalência. Sete e quarenta e nove, seis e cinquenta, mais minuto menos minuto não tarda vou a uma página astronómica - zero seis e quarenta e três. O mistério adensa-se. Já nem sequer é uma ambiguidade. É uma triguidade. Deixo a pesquisa por aqui e continuo o que ia dizer: este fresco é agradável e agora tive de fechar o albói, qualquer dia vence um cobertor e depois dois e eu aqui nesta angustiante incerteza: a que horas é o raio do equinócio amanhã? Quando começarei a ter de usar as camisas de manga comprida? Valerá a pena aderir ao bónus da 5 à Sec? A quem devo pedir uma indemnização pelas alterações climáticas? À Ford? À China? Aos farmeiros do mundo desenvolvido? Eles é que deviam pagar o cartão Privilégio da lavandaria, não eu, aonde (ou melhor, quando) é que já se viu ter de usar mangas compridas em Setembro, mesmo admitindo que estamos quase no fim dele, ou seja: mais um aniversário para mim, sessenta e seis, mais um seis e seria um número diabólico. Assim é bonzinho.

Lá me perdi outra vez. Amanhã arrumo o bote pela trigésima milésima ducentésima quarta vez, está quase vazio, este raio desta palavra (quase) pôr-me-ia os nervos em franja se os tivesse, por acaso não tenho graças aos meus pais que proibiam a palavra "nervos" e derivados em casa excepto se usada num contexto médico. Quase vazio. Estou farto de viver num estaleiro, mas vou aguentando.

Aonde é que eu ia? Equinócio, incerteza, quase, nervos, pais, vazio, estaleiro, ROC... Deriva, é o que é. Uma deriva completa. Resumindo: amanhã de manhã cedo o Sol passa para o outro lado do Equador e eu continuarei a viver num estaleiro pelo menos mais uma semana. Antevejo com luxúria o dia em que nada haverá a fazer no interior e mais ainda no exterior. Isto é,  mais luxúria. Testes de mar. Luz verde. Vamos. Larga tudo. Primeira escala: La Linea. Depois Las Palmas de Gran Canária. Chegada: Le Marin. O P. no Marin. Credo, senhores, preparai as garrafas de rum e as travessas de boudin e de accras. Mango Bay, j'arrive. E se não for preciso parar na Linea não se pára. Tudo em cima. 

A Botegga Bolognese multiplicou os preços por dois e diminuiu as quantidades na mesma proporção. Ao todo, quase quatro vezes mais caro. Fizeram bem. Quase (outra vez?) tinha vergonha de lá ir, quando uma pratalhada custava quatro euros e setenta ou noventa. Agora um mini-prato custa quase dez euros. Só a qualidade se mantém. E a simpatia do Hugo e da Silvia, claro. Para a semana vou lá comer uma carbonara, que tanto me falta. O Antiquari também subiu, parece-me. Não tenho a certeza. A seguir fui ao Eroski comprar manteiga - Primor, era o que havia de potável - e vim para bordo: pão com manteiga, fouet, queijo Gouda velho, vinho tinto, Eleni Karaindrou e Angelique Ionatos. O polaco já respondeu e já lhe enviei os papéis todos. Agora só falta esperar. Esperar. Estou tão farto de esperar como da palavra quase.

Vou entrar devagar nesta noite mas não te preocupes, Dylan: não é a do teu pai. A minha é passageira. Só dura até chegar o Outono.

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