14.12.23

Diário de Bordos - Le Marin, Martinique, DOM-TOM França, 13-12-2023

O problema é que vivemos no passado, meu caro. O plural não é majestático: o mal é comum. Ainda me lembro de quando chegava ao aeroporto de Fort-de-France e o trajecto para o Marin era feito de taxico (abreviatura de táxi colectivo) e custava entre vinte e trinta euros, consoante a quantidade de passageiros, a hora e a capacidade negocial. Quando não havia taxicos, atravessava-se a rua e levantava-se o polegar. Em quinze minutos no máximo estávamos num carro - que tantas vezes se desviava ou prolongava a viagem para me deixar na marina. Hoje, no aeroporto, há táxis e taxímetros. Face aos oitenta euros que o taxista no aeroporto me disse que a viagem ia custar, resolvi apanhar um carro para Fort-de-France e de lá um taxico para o Marin. O taxista dissuadiu-me. Por um lado era pouco provável que encontrasse um taxico para o Marin dada a hora. A senhora aonde bebi o planteur de chegada já me tinha dito a mesma coisa. Por outro, se apanhasse um táxi seria ainda mais caro e se fosse de autocarro só teria um lá para as sete da tarde. "Vou deixá-lo na estação dos autocarros, a viagem custa-lhe dez euros em vez de trinta e você num instante está no Marin e muito mais barato". É muito difícil não se gostar da Martinica. Quase tanto como lembrarmo-nos de viver no presente. 

Claro que esta teimosia em não pagar oitenta euros para ir do aeroporto ao Marin pode discutir-se. Acabei de esportular duzentos e cinquenta para vir em «class Caraïbes» em vez de classe gado, na qual comprei o bilhete. Mais oitenta não fariam uma mossa por aí além. Uma amolgadelazinha, quando muito. A verdade, a verdadeira verdade é que prefiro andar de taxico ou de autocarro. Não por manias de ser viajante ou de apreciar a cultura local ou tretas semelhantes. Não. É porque simplesmente gosto desta gente, devo muitas horas felizes à Martinica e por muito ansioso que esteja de ver o meu filho - estou - quero dizer a esta terra que sou, de novo, dela. Sou um deles, com tudo o que isso implica. Por exemplo, pagar doze euros e dez cêntimos em vez de oitenta e antecipar com ânsia o momento em que me vou sentar no Mango Bay e beber outro planteur, o da chegada - chegada. 

Tudo isto - refiro-me à modernização, a que eles dão o nome enganador e embalador de progresso, ao fim dos taxico no aeroporto, aos taxímetros, ao fim do tripulante que nos anos oitenta contratávamos por meia dúzia de francos para limpar e cozinhar e ajudar nas manobras e dar cor local à viagem - é inevitável. Duvido é que seja melhor - excepto claro no caso do mencionado tripulante. Hoje são deckhands e skippers - mas a tentação da modernidade é irresistível para muita gente, sobretudo se está em lugares de poder (a imposição dos taxímetros foi obra da mairie, disse-me o senhor que me deixou na paragem dos autocarros em vez de me levar para Fort-de-France). Nada se pode fazer, se não regozijarmo-nos com as horas felizes que o passado nos deu e prepararmo-nos para aquelas com que o presente nos presenteia ou o futuro nos trará.

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Jantar no Mango Bay com o fiston. Passo os pormenores. A felicidade ou é global ou não é. 

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