13.2.24

Diário de Bordos - Saint-Pierre, Martinique, DOM-TOM França, 13-02-2024

Dia feriado aqui (e em todo o lado, imagino). Venho almoçar ao La Vague, em Saint-Pierre, que descobri recentemente. 

Abençoo uma vez mais a minha intuição  - para restaurantes. Fosse ela tão perspicaz para outras coisas e teria um harém ao lado de uma frota de embarcações de recreio (ou dentro da frota, não sei. Tenho de pensar nisso). Imaginem uma daquelas casas das margens do Léman mas noutro sítio, com um porto privativo, três ou quatro embarcações de vela e outras tantas de motor, um harém de senhoras seleccionadas a dedo, a olho e - igualmente importante - a ouvido (é possível que a ordem não seja esta)... Só me resta decidir aonde seria essa casa mas como é um trabalho árduo deixo-o para depois.

Por agora decido a composição da frota, penso na casa, nas ocupantes e usufruo a paz pós-prandial. Talvez seja fugaz, como paz, mas é a que hás.

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O restaurante chama-se La Vague, fica em Saint-Pierre (norte da Martinica) e qualquer sítio capaz de inspirar tão profundos pensamentos vai directamente para o respectivo céu.

A vista é linda de morrer - mar e meia dúzia de gajos fundeados - e a clientela maioritariamente franco-francesa traz-me inelutavelmente à memória uma velha piada: 

- Qual é o cúmulo do pleonasmo?
- A expressão "um francês médio".

É difícil combinar o francês médio com o resto do que eu amo nesta cultura, mas a tarde não está para combinações difíceis. Está para olhar para o mar e para os gajos fundeados - o vento já rondou algumas três vezes desde que aqui cheguei -, para sonhar com mansões, frotas privadas e uma dúzia de poetisas, escritoras, músicas, artistas a acompanhar.

Ou mais seguramente a estruturar, mas isso fica para conversas sobre o tempo que passou e não sobre o que está a passar.

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O T. propôs-se fazer comigo a viagem para o Marin. Por muito que um gajo tente é impossível falhar tudo. Mais fácil me parece acertar tudo, mas isso faz parte das divagações pós-prandiais.


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Lembram-se daquela piada do Voltaire a respeito do Rousseau? «Il fait envie, Monsieu, de marcher à quatre pattes quand on lit vos ouvrages». Pois aqui dá vontade de a parafrasear, mas no primeiro grau: dá vontade de me transformar em árvore, tão belos são estes muros, estas muralhas, cascatas de verde. Só lamento não as saber identificar pelo nome. Conheço o nome de algumas estrelas, o de quase todas as nuvens (admitidamente menos do que aquelas), mas de árvores sei distinguir os bambus das palmeiras e pouco mais.

Partilho-me entre a necessidade de conduzir, a de olhar para a paisagem e a de pensar, todas elas contraditórias entre si.

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Paro numa tasca de beira de estrada. Três velhotes a jogar dominó, dois a olhar para ontem, um ou outro sentados sozinhos ou a ver o jogo. Preço do ti'punch (HSE, um dos meus runs favoritos): Um euro e cinquenta cêntimos (até agora, o mais barato que bebi foi três paus). Sinto-me como o Cônsul debaixo do vulcão. Só espero que não me saia nenhum cavalo à estrada. Bebo o punch ao som, mais ou menos ritmado, dos dominós na mesa. A temperatura esta magnifica, ligeiramente acima do limite do frio: vinte e cinco, vinte e seis. O vento em altitude está fraco, a senhora que olha para o mar continua lá, o punch chega ao fim e decido que é hora de retornar ao volante.

Estes raids são a única utilidade indiscutível que vejo num automóvel. Chego a bordo cansado e a precisar urgentemente de uma cerveja, mas com os olhos e os neurónios cheios de paisagens sublimes. E ir ao Joel comer uma costeleta de porco, beber mais um punch e mais uma cerveja e pensar que a gestão quântica que faço da massa tem algumas vantagens. Pelo menos, tantas quanto as desvantagens, o que significa que é bastante equilibrada.

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Fecho o dia com os madrigais do Gesualdo. Lembro-me de qualquer coisa dele que incluía Tenebras, coisa de que o homem tinha um conhecimento íntimo. Matou a mulher, o amante dela e provavelmente o filho. Daí parto para pensar que tanto gostaria de perceber mais de música, como de árvores.

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