4.2.24

Jovens deuses, acaso e idiotas

Há uma espécie de alterações climáticas em mim: são as alterações do gosto. Têm, devo desde já dizer, o mesmo impacto na carcaça do que as outras no planeta: diminuto. Mas têm uma capacidade influenciadora semelhante. Não perco tempo a analisar-lhes as profundezas, tal como ninguém (salvo raras e honrosas excepções) analisa com profundidade as alterações climáticas. As pessoas acreditam nelas porque «toda a gente» acredita. Eu acredito nas minhas alterações de gosto porque sim, porque me apetece, porque me espantam e Deus sabe o que eu gosto de ser espantado.

Eis um exemplo: estou em «França» vai para mais de um mês e meio e ainda não bebi um único pastis. Isto é, obviamente, devido ao clima. Outro exemplo: hoje o prato do dia no Kokoarum era Bavette d'Aloyau. Pois acreditem se quiserem, ainda hesitei dois segundos entre isto e um Colombo de frango. Felizmente desta vez as alterações climáticas não levaram a melhor e optei sensatamente. A bavette d'Aloyau é um daqueles cortes que têm uma finalidade na vida: demonstrar a quem não come carne que está enganado. Não há alteração de gosto que lhe valha. Claro que se pode argumentar que o onglet e tal e coisa e a araignée mas para isso deixo vir o diabo escolher. Sobretudo acompanhado por um Carmenère que - oh santa idissincracia - é o vinho mais barato da carta. Oh beleza. Oh santidade.

Enfim, pouco importa entrar nos pormenores. A verdade é que as alterações do gosto me fazem pensar nesse estranho fenómeno que é a idade. Salvo duas ou três delas, de que não quero aqui falar, sinto-me muito melhor hoje, mesmo todo alterado, do que me sentia há vinte, trinta ou até quarenta anos. (Ou será: porque alterado?) E isto apesar de nesses anos me ter sentido tantas vezes na pele de um rei, Tarzan da selva, jovem deus e por aí fora.

Talvez no fundo envelhecer seja isso: descobrir que os jovens deuses não passam de idiotas com sorte e o Tarzan de um macaco com menos pelos.

Isto de um gajo não acreditar em deuses - sejam eles novos, velhos, um ou múltiplos -; de não acreditar num grande conspirador e - sobretudo - de não acreditar muito em si próprio vem com um inconveniente: não tem a quem agradecer. A menos que o acaso...

ADENDA - Reformulação: isto de não se acreditar em Deus tem um inconveniente: não ter a quem culpar. Nem a quem agradecer.

Reformulação: um jovem deus não passa de um idiota com sorte e Tarzan de um macaco sem pelos.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.