5.2.24

O teu passado muda, mas tu és o mesmo. Ou: o passado e a geografia vão dançar um tango, atrapalham-se, caem nos braços um do outro e descobrem que afinal são amantes desde sempre

"(Paris) It is the only city in the world to live in and I'd feel like hell and that a lot of life was gone if I thought I could never live there again." 

Ernest Hemingway in a letter to Archibald Macleish, October, 1930

(Tirado de um post no FB.)

Em quantas cidades vivi (viver sendo passar mais de três meses) de que pudesse - ou devesse? - dizer a mesma coisa? A questão é escorregadia: o nosso passado altera-se à medida que o tempo avança. Transformando-se em presente o futuro modifica também o passado. Por nada deste mundo eu regressaria à Genebra dos meus trinta anos. Agora venderia a boa metade da família (ou o que dela resta) para voltar hoje a Genebra. (Mas forçoso é reconhecer: quanto tempo lá quereria ficar?)

E Dunkerque, aonde não voltei? E ao Rio, lugar de um desgosto amoroso que foi o primeiro  (por ordem cronológica) e o segundo (por ordem de importância)?

Tenho previsto passar por Antigua, daqui a um par de meses - as ordens do lugar anterior invertem-se: segundo e maior, respectivamente. 

Nakhodka, outra cidade aonde fui um jovem deus? Em Paris oscilei entre deus e miserável. Em Londres não fui uma coisa nem outra, tal como na cidade do Panamá, de resto. Tão diferentes que são... Em Palma não fiz nada senão trabalhar e viver, não tive muito tempo para deificações - nem idade, aliás. Os jovens deuses têm um prazo de validade muito curto. Ou deixam de ser jovens ou deixam de ser deuses - a maior parte das vezes acontece ao mesmo tempo. Em la Chaux-de-Fonds fui miserável. Não voltaria lá nem que me pagassem. À cidade do Cabo sim, voltaria, mas não para viver, já que não morri lá. Que resta de S. Luis, agora sem o C. B.? Tenho de ir ver, é promessa e maldito seja o demo se me levar antes de o poder fazer.

Que falta, nesta lista? As não-cidades? Le Marin, aonde agora estou? St. Martin? Restrinjo-me à regra dos três meses (em Paris nunca estive três meses seguidos, mas se juntar o tempo todo que lá passei o resultado é muito mais) e das cidades. Marigot e le Marin não são cidades. Falta Maputo. A memória obstina-se a apagá-la. Faltam Kindu, no então Zaire e Bujumbura, no Burundi. Memória selectiva, esta. Racista.

Como é aquele poema do Cavafy? Encontrei uma tradução para inglês:

«...You won't find a new country, won't find another shore.

The city will always pursue you.

You'll walk the same streets, grow old

in the same neighborhoods, turn gray in these same houses.

You'll always end up in this city. Don't hope for things elsewhere:

there's no ship for you, there's no road.

Now that you've wasted your life here, in this small corner,

you've destroyed it everywhere in the world.»



A cidade perseguir-te-á sempre. Aprendi esta lição muito antes de ler Cavafy pela primeira vez e penso na Paris de Hemingway: para onde quer que vás "terás sempre Paris". Terás sempre Baldwin: «o mundo é mais pequeno do que o viajante que nele viaja.»

«The past is a different country. They do things differently there». (L. P. Hartley, The go-between.)

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