O Google diz que a temperatura exterior é de vinte e seis graus mas eu não acredito. Não passa dos vinte e três. Vinte e cinco talvez no interior, isso sim. Estou com frio, tapo-me com o lençol até ao pescoço, encolho-me bem, todo encostado a mim, depois fico com calor, destapo-me, estendo-me, o ciclo repetir-se-á até adormecer. Tenho uma das vigias aberta, é aquela em que entra menos chuva quando ela vier, sinto a corrente de ar fresco do exterior, a dor de cabeça acompanha todos os movimentos, encostada a mim e parece que não sabe se há-de desaparecer ou aumentar. Tomo mais um paracetamol, não me lembro se é de quinhentos se de mil mas que se lixe, era o último e já deitei fora o blister. Quero que a dor desapareça, que o frio (isto é um exagero. Não é frio, é fresco) se mantenha, que o sono apareça e que amanhã seja um dia bom.
Penso no miúdo, não paro de pensar nele, ainda me lembro de ter entrado ilegalmente em França um bom par de vezes, uma vez foi em Hendaia, saltei a rede que separava as duas áreas na estação, ainda hoje estou para saber como não fui apanhado. Era ágil, então. Doutra vez fui recusado, em Dover, meteram-me no ferry de volta para o Havre, se não estou enganado, com um R encarnado, enorme, numa das páginas do passaporte.
Vou comer um iogurte. Deixei de pensar no puto. O iogurte é delicioso, de lichi, "com bocados" aspas porque cada vez que como um iogurte de frutas penso num senhor a quem chamava meio-maricas, talvez injustamente (não sei para que lado caía a injustiça), tinha uma mercearia em Cascais ao pé da casa de uma rapariga com quem namorava (eu, não o meio-coiso). Uma vez fui lá comprar iogurtes e ele perguntou-me "pedaços ou sabores" e eu não fazia a mais pequena ideia do que quereria ele dizer com aquilo de maneira perguntei-lhe e o homem olhou para mim quase com a mesma cara do gajo da Madeira quando lhe perguntei "quem é o Ronaldo?" Só que menos agressivamente, claro. A verdade é que a coisa com a miúda não correu muito bem e separámo-nos. Amigos mas separados. Nunca mais a vi e tenho pena. Acho que há vinte anos eu era muito estúpido. Ou ainda mais estúpido do que sou hoje, não sei.
Enfim, há uma coisa que sei: essas asneiras todas contribuíram para fazer de mim um tipo melhor do que era, disso não tenho dúvidas. Só as tenho em relação à estupidez, mas essas são como a dor de cabeça. Acomodam-se em mim como se estivessem no sofá de uma sala com lareira e um cálice de Porto e um bom livro na outra mão.
Não há paracetamol para algumas dúvidas, pois não?
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.