15.3.24

Diário de Bordos - Le Marin, Martinique, DOM-TOM França, 15-03-2024

A Joan Armatrading diz que tem sorte porque pode passar por baixo de uma escada. Logo de seguida vem a Sandy Denny perguntar-me quem sabe para onde vai o tempo. Não tarda estará o Paul Simon mai-los diamantes nas solas dos sapatos. 

Não tenho resposta a nenhuma destas questões. Nunca experimentei passar debaixo de uma escada, não vá o diabo tecê-las; não sei para onde vai o tempo - nem quem o fez sabe, quanto mais eu; e não tenho diamantes em lado nenhum, muito menos nas solas dos sapatos. Não percebo nada destas listas do YouTube mas sei uma coisa: mais vale um minuto disto do que meia-hora de Eixo do Mal. Parece que é a duração do programa. Só ouvi talvez minuto e meio até o grilo falante misturar Milei e Ventura. Passo para a música e daí para Paul Simon. 

Há músicos assim, um bocadinho por cima da esfera da música. Começo a nomeá-los e são tantos que me pergunto se não serão esses a esfera da música. Ignoro: não sou musicólogo. A única coisa que sei de música é que alguma dela tem em mim o efeito contrário dos disparates que oiço na televisão quando tenho o azar de por lá passar.

Bom, isto precisa de um bemol. É verdade que por vezes me falta jeito para ouvir um dos intervenientes num programa chamado Guerra Fria. Mas o outro compensa largamente. Também gosto de ouvir o Ricardo Araújo Pereira. E o Ricardo Arroja, embora nunca me lembre de o ir ver.

Será que com esta lista posso obter a nacionalidade portuguesa?

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Oiço barra vejo o Graceland ao vivo. Adoro este disco do princípio ao fim, o fim não sendo aonde o disco termina. É muito depois. Este concerto marca provavelmente o fim do sonho pós-apartheid na África do Sul. A partir dali foi sempre a descer.

O Ocidente é a reserva intelectual do mundo. Intelectual e moral, apresso-me a esclarecer. Talvez devêssemos entabular uma vasta interrogação,  um vasto exame de consciência, como lhe chamam os católicos. Devíamos pôr os mitos de lado, por um momento, chamar os factos e debatê-los e falar deles.

É inevitável, quer queiremos quer não. Quanto mais cedo melhor.

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Um filho de trinta e cinco anos já não é bem um filho mas tão pouco é uma pessoa adulta de per se. É uma espécie de ser híbrido, metade feita por nós e metade feita por ele e um gajo nunca sabe de qual dessas metades deve estar mais orgulhoso.

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Das mudanças de status ao longo da vida: durante muito tempo o V. era meu irmão. Hoje, eu sou o irmão do V. Durante ainda mais tempo o T. era meu filho. Hoje sou eu o pai do T. 

Duas sortes. Muito pior é ter sido durante muito tempo filho do comandante Serpa e hoje não haver comandante Serpa. É uma das formas da solidão e a mais inultrapassável de todas. 

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PS - A sequência lógica de Graceland é o African Marketplace, de Dollar Brand (ainda se chamava assim). E tem Carlos Ward no sax.

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