27.3.24

Receitas, tampas e uma confissão

Leonor, Laura e Helena são os nomes femininos que prefiro. Se tivesse tido outra filha ter-lhe-ia chamado Laura (a primeira ficou Helena). Já tentei seduzir meia dúzia de Leonores, mas levei sempre tampa. Aposto que suspeitaram do meu verdadeiro motivo. Elas têm faro para estas coisas. Uma vez engatei uma jovem senhora (e bonita, vá lá) porque ela tinha a colecção completa das receitas da Elle, uma revista feminina. Eram receitas maravilhosas. Ainda tenho um monte delas. Mas ficava-me caro e ao fim de uns meses (demasiados) parei de a comprar. Ainda por cima a minha mulher detestava a revista e reclamava cada vez que me via chegar a casa com a Elle, o Expresso, o Economist, a Playboy e o L'Express (por causa do Raymond Aron). Acho que era o Express. Não tenho a certeza. Foi há muito tempo. Depois comecei a pedir as receitas às amigas (da minha mulher) que compravam a Elle e não as queriam.

Há quem coleccione caricas, selos, moedas, automóveis, máquinas fotográficas ou borboletas, sei lá. Eu só acumulava tampas e receitas. A grande diferença entre as duas é que uma tampa, não sendo um objecto, não pode trocar-se, pendurar-se na parede nem - muito menos - mostrar-se aos amigos. Podem, quando muito, arrumar-se na memória por ordem cronológica inversa, as mais recentes a tapar as mais antigas.

Comecei a coleccionar receitas muito depois de ter começado com as rejeições. As primeiras foram as da minha tia Mamé, que era professora de culinária e tinha uma fantástica capacidade para perceber as ratoeiras. Por exemplo, ela não dizia "cozer as batatas" mas sim "cozer as batatas (grandes, inteiras) vinte minutos depois de a água começar a ferver" (isto é só um exemplo, não é verbatim. Aliás até me parece que era mais adepta de cortar as batatas ao meio para não desperdiçar gás). Foi com essas receitas que comecei a cozinhar,  já ia para aí na minha trigésima oitava tampa. Ainda pensei que cozinhar me ajudaria a convencer as miúdas de que não era mau rapaz, mas foi completamente inútil. Só muitos decénios depois comecei a gostar de lavar a loiça. Talvez devesse ter começado por aí e só depois passar ao fogão, numa espécie de descida ao contrário. Ou subida, faz mais sentido. Sobe-se um rio até à nascente. Cozinha-se antes de lavar a loiça. Ir desta para aquela é subir. Ou será descer? Estou baralhado. Deve ser por causa das tampas e das caricas. Ou das receitas. Talvez.

Às vezes acontece-me pensar naquela mulher que me aceitou no seu leito e dele me expulsou poucas semanas depois. As Elle estavam mesmo ao lado da cama e uma vez performadas as funções digamos leitais punha-me a ler as receitas. A rapariga queria carinho e conversa e um dia a fosforecente pomba da clarividência pousou-lhe na cabeça e o meu adultério (era um. A minha mulher já me tinha proibido de comprar a maldita revista) acabou ali. Não foi grave, de qualquer forma ia voltar para casa. E tão pouco foi repentino. Ela teve o cuidado de me explicar o porquê da sua decisão.

Isto das tampas é curioso porque depois penso nas não-tampas, que são incomparavelmente menos mas tinham a óbvia vantagem de me proporcionar outro tipo de beneficios. Porém, nunca mais me saiu na rifa uma coleccionadora de revistas Elle, que tinha de longe as melhores receitas.

(Hesito em confessar aquí que também era grande apreciador da revista Cosmopolitan, por causa de outro tipo de receitas. Não confesso.)

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