3.4.24

Comboios, inversões e outras estranhezas

Conheço quem não goste de andar de comboio. Isto soa-me um bocadinho como se dissesse "Conheço um ou dois extraterrestres".

Sobretudo agora que tenho direito a bilhete de velhinho e posso andar sempre em primeira classe e não só em dias de chuva. A linha está inabitualmente regular. Não há oscilações nem movimentos bruscos. A viagem parece uma versão elevada à potência mil de um trajecto na minha BH, só que não tenho de pedalar. Vou reclinado na cadeira a olhar para a paisagem e a tratar de assuntos diversos, alternadamente. De vez em quando a paisagem é ferida por algumas construções desenhadas pelos piores alunos da escola socrática (a nossa, não a original) mas fora isso é bonita. O céu está carregado de nimbus estratificados, cinzentos e feios - se não chover logo à noite é milagre - mas o contraste com o calor e o conforto da carruagem é relaxante, apaziguador. Dentro de pouco mais de meia-hora chegarei a Caminha, um sítio que conheci há alguns anos pelas mãos de um dos meus pintores contemporâneos favoritos e de que gostei imediatamente. Amanhã de manhã tenho trabalho (e-mails, telefones) coisa que me enche de alegria. Trabalhar em algo de que se gosta é uma sorte ou uma sageza, não sei bem. O casaco de lã que comprei na feira náutica de Barcelona está na mochila. Quando penso no tempo que passei a procurá-lo apetece-me que o comboio tenha rodas ovais. Estava na 5 à Sec. É provavelmente uma das melhores peças de roupa que comprei nestes últimos sessenta e seis anos.

Tenho pena de não poder ir ver a I. e o D. O tempo e o mar são as melhores prisões,  as mais eficazes e inescapáveis. Fica para outro dia, um dia em que o tempo tenha deixado aberta a porta da cela.

As estações têm nomes esquisitos e eu sinto-me a pessoa mais normal do mundo. Estranha inversão, não é?

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