2.4.24

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 02-04-2024

No caminho do «meu» P. para o mercat de l'Olivar, aonde deixei a bicicleta para ir com o carro levar a roda do leme à Mercanautic só parei num waterhole - o Alaska. É a primeira vez nesta escala para o caso de precisar de uma atenuante. Logo a seguir parei num bookhole - a Babel cá de baixo, para ver, outra atenuante, se tinham vendido alguma caixa de postais. A resposta é não, não venderam, mas como saí de lá com dois livros e três postais (não dos meus) a paragem saiu carota, apesar de os livros serm baratos - se não fossem não teria comprado dois. Um Gomez de la Serna, autor cuja descoberta devo à J. M. V., abençoada seja; e um livro que me atraiu pelo título - Somos um corpo ferido. Tenho de admitir: sou bibliodependente. 

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Roda de leme I - Como não cabia no carro levei-a no tejadilho, convenientemente peada. No caminho de regresso da Mercanautic oiço um grito de um automobilista que ia no sentido contrário: «Se cai! (Ou qualquer coisa no género. A tradução é minha.)» Estarei enganado ou já houve um tempo em que cada um se preocupava com a sua vida e deixava a dos outros em paz?


Roda de leme II - Chego à Mercanautic e a decisão veio tão súbita como esperada: «Isso é invendável». O que me magoa não é aquilo ser invendável. É, claro. O que me magoa é o trabalho do couro. Para se ter uma ideia, mostrei-o ao R. (?) e ele diz-me imediatamente: «Isso foi o Jaume Amengual». Foi, sim. está perfeito. «Custou-te pelo menos quatrocentos euros.» »Quinhentos.» «Pois. Está perfeito.» Sim, está perfeito e vai cabar numa parede a servir de decoração ou num restaurante, base de mesa de vidro. Que lindo está, que paz para os olhos e para a alma olhar para aquele trabalho de perto e com olhos de ver. Apaziguante e extasiante são adjectivos antagónicos? A serem, aquela roda é um oxímoro irresistível.

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Palma, já por aqui o tenho dito, é uma cidade de mulheres bonitas. Hoje passou por mim uma série delas com aquelas abomináveis calças rasgadas nos joelhos e nas coxas. Uma vez tive uma troca de opiniões com uma vendedora de roupa, a quem disse que aquelas calças eram velhas e ela respondeu que não, eram novas a parecer velhas. Se em política o que parece é, como uma vez disse um senhor que sabia do que estava a falar, por que raio em moda será diferente?

Percebo muito pouco de moda. Passada a adolescência comecei a seguir o conselho do meu Pai: não seguir a moda, mas mostrar que não se lhe é indiferente. Se o nó da gravata deve ser grande, fazê-lo um bocadinho maior mas não grande, por exemplo. Mas também esta fase passou depressa. Enquanto tive de usar gravatas escolhia-as por critérios estéticos e não modísticos, os fatos a mesma coisa. Felizmente em meados dos anos noventa isso acabou (na verdade foi em noventa e sete) e nunca mais tive de pôr uma gravata ou vestir um fato. Sempre usei o mesmo tipo de sapatos - Oxford, a quem esta magna questão interessar - com meias até ao joelho. Pretos para ir trabalhar, mocassins castanhos ao fim-de-semana... Como me parece longínquo esse tempo. 

Voltando às calças rasgadas: o que faz alguém seguir uma moda? O que faz alguém querer mostrar que é igual a toda a gente? Sejam os tempos de individualismo ou de colectivismo a moda mantém o seu poder aglutinador, agregador.

Mas o essencial mantém-se: não consigo perceber o conceito de seguir uma moda. Como tão pouco consigo perceber o de não seguir. Usar o nó da gravata pequeno em tempo que os quer grandes é a mesma coisa do que usá-los volumosos. Uma coisa que acho infalivelmente curiosa: as exclamações horrorizadas de quem vê fotografias antigas de si próprio, com a roupa à moda do tempo. Como se a moda fosse um permanente desafio à estética (acho as calças à boca de sino muito bonitas e as calças estreitas muito feias, portanto isto não é sempre verdade). Que dirão estas mulheres (ainda por cima bonitas, ça va de soi) daqui a uns anos, quando virem fotografias desta roupa?

Adenda: tudo isto é mentira. Sou adepto fanático da moda das mini-saias, do não uso de soutiens e do topless nas praias (até uma certa idade, ça va également de soi. Vive la mode.)

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Escrevo como fotografo e fotografo com escrevo. A isto chama-se «simetria do não-ser»

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