5.4.24

Patriotismo, ou: Não há bela sem senão.

Penso nestes arremessos de «patriotismo» que vai entre aspas porque não sei se é a designação correcta. Mais certeiro seria chamar-lhe «indomável vontade de viver em Portugal apesar da quantidade de vezes que já tentei e não consegui». A primeira coisa que me ocorre é que não vem de hoje. Basta percorrer o DV muito por alto para ver posts sobre o «sedentarismo» e sobre a vontade que tenho de voltar à terra. A cada tentativa as circunstâncias acabaram por vencer, o que me levou a perceber que o meu amor por Portugal não passa de mais um amor não correspondido - como se fossem poucos. A vontade é antiga e o tempo consolida-a em vez de a erodir.

Posto isto, trata-se de saber qual a natureza de tão estranho sentimento. Penso por vezes que é de ordem  gastronómica. Aonde mais comer um cozido à portuguesa como aquele que ontem comi? 

Porém, o meu recém-fortificado patriotismo não é só gastronómico e resiste a todos os ascos que o país me provoca: a política, a cobardia, a sujidade, o barulho  a desorganização, a indecisão, a falta de planeamento, a mesquinhez. Para viver em Portugal estou disposto a conviver com isso tudo e a verdade é que por muito bom que seja, um cozido à portuguesa só por si não seria suficiente para fazer passar para segundo plano tanta coisa detestável. 

A Lisboa que conheci e descobri aos vinte anos desapareceu há muito tempo e ainda bem - pior seria se estivesse na mesma. Mas a Lisboa que amo não despareceu. Mudou, é certo, mas qualquer coisa ficou. Quem diz Lisboa diz Portugal, claro, apesar de não conhecer o país tanto quanto gostaria e de só mais tarde  ter descoberto o pouco, quase nada, que conheço.

Gosto da língua, obviamente, apesar da violência - isto não é exagero - do AO90, que me agride a cada c ou p que faltam, apesar de cada calinada que vejo, tantas e cada vez mais. É uma agressão violenta apesar de não ser física, equivalente à sujidade nas ruas. Porém, tal como por baixo da sujidade há uma rua que amo, por trás de cada erro há uma palavra que me faz tremer de emoção. 

Os portugueses não são só cobardes, indecisos e incapazes de planear seja o que for. Somos gentis, honestos, hospitaleiros, gostamos de ajudar. Portugal não é só ruas sujas e selvagens ao volante, tal como não é só cozido à portuguesa e bifanas do Afonso, as noites de boémia no Bairro Alto ou os dias de vela na baía de Cascais, os amores ou as noites de solidão no Guincho. 

O meu patriotismo é irracional. Há amores que o não sejam?

PS - Depois de um magnífico jantar com o núcleo duro dos amigos apercebo-me de que a mistura "patriotismo" precisa desta componente também. 

Por muito que se goste de um país, o nosso é insubstituível: é uma mistura de razão e desrazão, de passado, presente e - queira Deus - futuro.

Gostamos do nosso país por causa de tudo o que dele não se vê.

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