7.4.24

Diário de Bordos - Le Marin, Martinique, DOM-TOM França, 07-04-2024

 Esqueci-me de que:
a) Estou cansado. O jetlag ainda não passou, apesar de ter dormido como se um anjo me tivesse raptado;
b) Tenho dores, de vez em quando. Preciso de um analgésico e não o trouxe;
c) Tenho de fazer a cama quando chegar a bordo.

Ou seja: o dia começou comigo a cair à água ao entrar no bote, acaba com uma série de esquecimemtos e entre os dois foi magnífico. Há curvas matemáticas com esta forma. Gauss, se não me engano. Ou engano, se não me gauss. Ou assim, se não me assim. 

Para o meu pobre e martirizado corpo é meia-noite e meia. Ou seja, já pelo menos há três horas que devia estar na cama, em vez de estar no Annexe à espera da máquina da roupa. A seguir vou ter de esperar que seque. Deve ser aqui que nasceu a expressão «que seca»: um marinheiro à espera da secadora, à espera da hora de ir para bordo fazer a cama, à espera da hora de se deitar, à espera de que as dores se desvaneçam de uma vez por todas.

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Jantar no sushi da marina. É barato, é pouco e não há ninguém. Também é uma merda, claro. Quem comeu o sushi do Gonçalo D. no Estoril não se satisfaz facilmente - o que de resto explica que raramente coma sushi. Aquele era bom demais. Tal como o hamburguer do Skipper, que também era do Gonçalo: só conheço um que o bate aos pontos e esse já fechou. Era no Porto, na rua de Santa Catarina. O confinamento deu cabo dele. Há dezenas de razões para se considerar  a «gestão» da pandemia um crime (ou milhares, se se olhar para a coisa numa perspectiva holística). O fecho do restaurante do Hélder e do Alberto figura num lugar elevado dessa lista.

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O resultado de tudo isto é: venho ao Indigo beber uma cerveja e pensar que é uma injustiça não vir aqui mais vezes, perguntar-me por que raio de carga de água é impossível encontrar forma de carregar a frontal que me serve de luz de navegação no bote à noite (ainda tenho luz que chegue, apresso-me a esclarecer), perguntar-me porque sou tão mau a gerir as minhas finanças e tão bom quando a massa não é minha, perguntar-me porque tenho mais perguntas do que respostas acerca de tudo e mais alguma coisa. Devia ser ao contrário, devia saber tudo e descubro que não, não sei nada. Só sei perguntas e noventa por cento delas não têm respostas (estou a ser modesto. Essa proporção é muito maior.)

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A noite está linda. Não há um sopro de vento e a água está que parece a mesa na qual escrevo. Não consigo acabar a cerveja mas faço um esforço. Antevejo o filme: Ir buscar a roupa ao secador; dobrá-la; pô-la no saco; ir para o bote; atravessar a marina; ir para bordo, fazer a cama; dormir. E ainda há quem não goste de finais felizes nos filmes. 

Amanhã chega o T. e vou poder voltar à verdadeira função de um skipper, que ao contrário do que muita gente pensa não é fazer coisas. É tê-las feitas. A diferença parece pequena, mas há anos-luz entre uma e outra. No meu caso, quase cinquenta anos e a luz que os acompanha.

(Cont.)

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