31.5.24

Diário de Bordos - Aeroporto de Orly, Paris, França, 31-05-2024

Não sei se escrevo porque não tenho mais nada que fazer se por ter mesmo qualquer coisa a dizer. Tendo mais para a primeira hipótese, apesar de a saber falsa: podia ler, por exemplo. Tenho a Rossetti («Somos un cuerpo herido», só o título merece respeitinho e admiração) para terminar, que já se arrasta há um bom par de meses; uma colectânea de contos do le Clézio, da qual li o primeiro, magistral; e mais meia dúzia deles. Deixei de ser um leitor compulsivo e passei à categoria de comprador compulsivo. Ou transportador compulsivo: sou incapaz de os deixar para trás (desta vez creio que deixei os Cesaire, mas não tenho a certeza. Vontade não me faltou).

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Salto de aeroporto em aeroporto com a mesma frequência com que salto de porto em porto, mas não com a mesma alegria. Oito horas metido dentro de um colete de forças voador é uma violência de longe superior às trinta que passei à saída de St.-Martin. Ou seja: estar quieto é mais penoso do que não parar de fazer a carcaça trabalhar, no meio de squalls, aguaceiros, rajadas súbitas, subidas e descidas de vento sem qualquer espécie de pré-aviso, vagas sem lógica e por aí fora. 

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Seis horas de espera em Orly. Quando acabar a De Passagem faço uma sobre os aeroportos. Ontem o de Fort-de-France estava lindo, ao fim do dia.

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Esqueci-me das injecções na Martinica. Penso que só há duas coisas de que nunca me esqueci: a cabeça, porque tenho o pescoço; e o meu nome. Mas deste não estou seguro. Esta distracção é-me cada vez mais insuportável., apesar de não ter a impressão de ela ser cada vez pior. A minha paciência para mim é que é cada vez menor.

[Adenda: esqueci-me também do programa de navegação do Quinn. Provavelmente a melhor coisa em que gastei cento e cinquenta euros nos últimos duzentos anos.]

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Faço um desvio impromptu para a analogia entre o café solúvel e os problemas insolúveis. São muito parecidos. Um problema insolúvel não é um problema e um café solúvel não é café.

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Vi (finalmente?) o Dune, no avião. O filme é longo, chato  e intrincado. Infelizmente as intricracias não prevalecem sobre a duração e a chateza. Ficam só estas: longo e chato.

Depois revi as Pontes de Madison County, que não é nem longo nem chato, muito antes pelo contrário. È magnífico. Uma lição de como fazer um melodrama sem cair na melice.  

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