A ideia é essa: partir a vida aos bocadinhos e viver cada um deles como se fosse o único. Todos ao mesmo tempo, mas cada um um só. O Tiago Taron faz isso nos quadros dele e é por isso que gosto tanto do seu trabalho. Também gosto da Bárbara Assis Pacheco, mas essa não vai aos fragmentos da vida. Vai à essência do que pinta e assim vai à essência da pintura. A Mariola Landowska é diferente destes dois. É uma pintora polaca que vive em Portugal há muito tempo e viajou pelo Brasil e pinta a alegria, a leveza, usa cores vivas. Há outros, claro, mas estes três são os meus pintores favoritos.
Mas era no Tiago que pensava quando comecei a escrever. Naqueles pequenos quadrados ou rectângulos, nas linhas com pontos de fuga para lá do horizonte. Pequenos segmentos de tempo, de espaço, o infinito cortado em pequenas porções, uma espécie de Aleph em cada quadro.
De tudo o que não sei fazer, pintar e cantar (ou compor música) são o que mais me dói.
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Tento dividir a minha vida dessa forma e quase consigo. Quase. Nem sempre. O mar meteu-se pela exposição de fotografia, por exemplo. Inundou-a. Afogou-a. A literatura (acho que já posso chamar literatura àquilo que faço, sem me envergonhar nem achar patético) mete-se por todo o lado, por todas as frinchas, aquelas de que falava Cohen. É por ela que entra a luz. O mar, os barcos, este universo de que conheço a língua e os silêncios, que sei interpretar talvez porque é para ele que apontam as linhas que o Tiago pinta quando eu as vejo. Se um dia a Bárbara pintasse o mar tal como eu o vivo as pessoas perceberiam muito melhor o meu mundo do que com os meus balbuciamentos, a minha "inabilidade fatal" (aspas porque cito. Rimbaud, a quem possa interessar).
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Estou em Saint-Martin, o S. D. tem uma avaria, tento resolvê-la, imagino que vivo um quadro composto por fragmentos da realidade e o meu trabalho consiste em juntá-los e dar-lhes um sentido.
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Desse quadro está ausente um bocado: o que representaria os meus livros, também eles fragmentos, também eles um todo com significado para mim, uma vida.
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Faltam os netos. Crescem sem o português que têm de conhecer, porque se não souberem falar português faltar-lhes-á um fragmento importante da sua história, da sua vida.
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Falta o cansaço, a coisa que agora mais me representa e insiste em fugir pelas cores vivas e alegres da Mariola, quando penso nelas.
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Falto-me eu, em suma.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.