18.6.24

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 17-06-2024

É como se estivesse a andar de patins atrás do sono, só que à frente dele ainda há mais alguns vinte patinadores e eu atrás deles todos a ver se os apanho,  um a um.

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Caiu uma bomba atómica em Palma: fechou o 7 Machos da rua San Magi. Já tinha lido alguma coisa a esse respeito mas não acreditei. É como se me dissessem que a ponte sobre o Tejo ia mudar de sítio. Ou que o Cristo-Rei agora dança o samba todas as noites. Ou que o Calatrava vai começar a desenhar estações de comboios funcionais. Ou que António Costa arranjou um emprego de almeida na CML (não desfazendo nos almeidas, claro).

Agora tenho de ir procurar o novo. (Não está muito longe, vá lá. Fica para amanhã.)

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Dia de merda, literalmente: passei-o todo a trabalhar na retrete, que se avariou logo de manhã. Passo os pormenores, há almas sensíveis que me lêem.

Foi até deixar de haver luz. Desconsegui. Deus sabe que sou o skipper mais mal jeitoso de mãos que ao mar deitou.

Não é o ser desajeitado que me inquieta. É sê-lo cada vez mais. A bomba é uma Henderson MK5, a melhor bomba de retrete jamais feita. A retrete é uma Lavac. Só há dois tipos de marinheiros: os que idolatram a Lavac e os que não a conhecem. A combinação Lavac / MK5 é garantia de repouso para o pobre skipper longe de casa no que à merda diz respeito. 

Não há garantias, meu caro. Estão esgotadas. Felizmente desta vez não foi tão grave como em Ponta Delgada, a bordo do AQUARELLE, em que apanhei um duche de merda de tal maneira que tive de me mandar à água no porto, que por muito suja estivesse estava menos suja do que eu. 

Enfim, uma belíssima maneira de começar o dia. E depois, de o passar a tentar reparar a maldita bomba. A vida de skipper é um festival de glamour. Melhor, só em Cannes ou nos filmes do James Bond.

Amanhã começo o dia a telefonar ao serviço técnico da Henderson. Já devem ter visto nabos mais nabos do que eu.

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Dois livros a fechar: o último romance do António Cabrita (O que o céu permite, ed. The Poets and Dragons Society - não posso reclamar muito. O meu Avenida também foi publicado numa editora com nome inglês) e The Portuguese, a modern history, de um senhor chamado Barry Hatton.

Deste último ainda vou muito no princípio, é cedo para dizer mais do que "lê-se bastante bem" - os portugueses vistos pelos olhos de um estrangeiro que nos grama à brava e até casou com uma portuguesa e tem piada e conhece bem o país e a sua história recente - o que não é de admirar porque é jornalista e correspondente de um ou vários jornais estrangeiros.

O livro do António é outra coisa. Espero vivamente que o homem não esteja no pináculo da sua forma de romancista, mas que está lá muito perto está de certeza. Uma narração da qual "não se vêem os canos" (parafraseio não sei quem), personagens densas - com uma óptima charpente, diria se estivesse a escrever em francês - um gozo permanente, a cada frase, cada linha. Sei que pareço suspeito, mas não sou: não gosto da poesia dele e digo-o, e se não gostasse deste livro não o diria, mas tão pouco diria o que digo: um livro para desenganar quem pensa que em Portugal se publica de mais. Não publica nada. O céu permitiu uma escrita absolutamente soberba. Obrigado, céu. 

Aproveito a boleia da excelência para mencionar uma poetisa que conheci recentemente (nos dois sentidos do termo: pessoal e literariamente). Trata-se de Gaëlle Istanbul. Tem dois livros ambos publicados na Húmus e sendo bastante diferentes são os dois muito bons. (Prefiro o primeiro, por razões epidérmicas - nos dois sentidos: a pele está presente em todos ou quase todos os poemas e a poesia é muito mais contida do que no segundo.)

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