24.7.24

Diário de Bordos - Lisboa, 24-07-2024

Apesar de todos os esforços que faz em contrário, Lisboa continua a cidade encantadora que sempre foi. O calor não é culpa dela, claro; os buracos nas ruas tão pouco; nem o barulho, a sujidade, os mendigos, os prédios modernos e asquerosos, passe o pleonasmo. Nada disso consegue vergar esta cidade, nada nem ninguém conseguirão tornar banal esta cidade. Não tem nada a ver com a pastelaria aonde tomei o pequeno-almoço, com as livrarias Snob ou Palavra de Viajante por onde passei como quem vai a Fátima de joelhos (isto é um exagero só literariamente aceitável), com o quisoque S. Paulo aonde comi dois pastéis de bacalhau como não os há em mais parte nenhuma do mundo (nem de Lisboa, quanto mais), nem com o restaurante Tentações de Goa, um dos dois melhores goeses da cidade. Não tem nada a ver com nada de preciso - pastelarias, livrarias e restaurantes são como chapéus - mas sim com o que lhes fica de permeio. Ou dentro, não sei. Faço parte daquele grupo de gente que pensa que uma cidade é feita sobretudo de pessoas e não apenas de monumentos, arquitectura ou história e Lisboa tem o melhor conjunto dessas coisas todas que conheço. Queixam-se do turismo? Credo! Lembrem-se de como era a cidade antes dos turistas e calem-se.

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Ontem fui a Cascais. Morei na Linha entre os três e os oito anos e depois dos dezassete aos dezanove, mais coisa menos mês. Voltei em dois mil e dois... Na verdade nunca deixei verdadeiramente Cascais e continuo ainda hoje a perguntar-me se o meu amor por aquele mar e aquela vista é um amor objectivo (há amores objectivos?), se o meu patriotismo tem a ver com a memória mais do que com o certidão de nascimento, se as inquantificáveis horas de navegação naquele mar serviram para fazer de mim o que sou. A pergunta é retórica. Claro que sim. Sem Cascais eu seria outro.

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Regresso a Lisboa num Uber. O chauffeur chamava-se Imra e é bangladeshi. Está a aprender português. É a sexta língua que fala. A maioria dos idiotas do Chega (há excepçóes) mal consegue balbuciar uma, a que lhes saiu na rifa do nascimento.

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Há uns anos - meia dúzia deles, provavelmente - a M. T. mostrou-me os preços dos fatos de banho Vilebrequin. Fartei-me de rir, um riso incrédulo, só mitigado pela leitura de Baudrillard, que ajuda a percebê-los. Desde aí, quando penso na moda e ou leio posts de uma senhora que no Facebook escreve bastante sobre o tema lembro-me dos calções de banho Vilebrequin, para mim um epítoma da debilidade do edíficio todo. Modas, marcas, m'as-tu-vu repousam sobre pilares feitos de consenso social, que requer primeiro um reconhecimento (para não dizer conhecimento, que é mais o meu caso) e depois sobre uma valorização de factores aos quais não atribuo muita importância - por exemplo, ter dinheiro e necessidade de o dizer (não tenho e não tenho).

Ontem vesti uns Vilebrequin emprestados e recusei a proposta de ficar com eles. Algumas mentiras não são defensáveis. Não quero induzir ninguém em erro. [Escrevo isto e penso nos meus calções Napapijri. Concluo que não é a mesma coisa. Para começar só os compro nos saldos; depois a marca não é imediatamente visível; depois ainda, há razões objectivas para se comprar bermudas dessa marca. São objectiva e inegavelmente melhores do que os outros. Nos Vilebrequin não notei qualquer diferença que justificasse o preço astronómico que custam.]

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