Hoje é segunda-feira e até quarta de manhã já sei que vai ser esta luta entre ter vontade de comer, enjoar só de pensar em comida e não saber aonde fazê-los (enjoar e comer). Desta vez resolvi o problema logo de manhã, ainda antes de sair de bordo: vou à Bodega Morey, que não tarda ganha a categoria «primeiro nome» (Octávio). A ideia era preceder o almoço de uma horita no Mise en Place (ex-Daniela) a escrever, mas estava cheio a abarrotar e vim logo para aqui. Para além de um casal de alemães que almoça como se estivesse no país deles (é meio-dia e um quarto!) estou sozinho, o vermute é bom, o Octávio recebeu-me com a alegria habitual, o prato do dia é canelloni de marisco (acho que vou para as raciones), a Típika está fechada - ou seja, poupo dinheiro em postais e outras bugigangas - o vermute é excelente... Nâo é o vermute, estúpido. É a música.
19.8.24
Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 19-08-2024
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O dia começa com o post de uma senhora, numa página dedicada a assuntos do mar, que diz que vai «ancorar» não sei aonde. A maioria das pessoas que anda em barcos acha desnecessário aprender o vocabulário marítimo. Ou então elas sabem que não são marinheiros e não o usam para não passarem pelo que não são. Os sentimentos que o post induz são múltiplos, contraditórios e vão longe. Penso, por exemplo, no meu Pai que levou dois anos a deixar de dizer que ia atracar, que era preciso guinar a bombordo ou que ia fazer marcha a ré - quando conduzia o automóvel familiar e falasse com quem falasse. Nos jantares segurava o prato da sopa na mão, só o pousando quando percebia que quem lhe estava a dar pontapés debaixo da mesa era a minha Mãe e não a vizinha. Por pouco não assinalava as «guinadas» do carro com os respectivos sinais sonoros (um curto para estibordo, dois para bombordo e três para marcha a ré, se por acaso houver curiosos a ler isto).
A verdade é que me horroriza ver termos como ancorar, janelas, paredes, cordas e muitos outros usados a respeito de um barco e pergunto-me se este horror é exclusivamente pedantismo ou se tem outras raízes. Quando chego a um país tento aprender a sua língua e não vejo razão para que os «elefantes» (é assim que os franceses chamam a quem não navega, por causa do barulho que faz ao andar num convés) não façam o mesmo quando vão para bordo de uma embarcação. Cada profissão tem o seu léxico e mesmo não querendo eu atribuir poderes mágicos às palavras - não os têm - acho que o mínimo é aprendê-lo. Ninguém passa a ser marinheiro por dizer fundear em vez de ancorar, mas talvez seja um bom começo.
Para lá do pedantismo, da pertença e dessas coisas, há outro aspecto a considerar: se lamentamos - e com razão - o desaparecimento de línguas, porque não fazer um esforço para manter todo um léxico que além de tudo ainda tem razão de ser? A cultura não é feita só de quadros de Picasso em casa. O vocabulário marítimo, num «país de marinheiros» como Portugal (aspas porque é irónico) faz ou devia fazer parte do saber colectivo. É uma pena que os termos náuticos tenham saído tão completamente da nossa memória que já nem quando devem ser usados o são.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.