Devia concentrar-me no essencial e deixar o periférico para depois, eu sei. Ou para nunca. Mas tudo se mistura nesta pobre cabeça nestes dias, parece que vivo numa daquelas máquinas de misturar cimento que estão (ou estavam) à entrada das obras. Lembram-se? Era um cilindro mais para o cónico que rodava sem parar com um barulho infernal e tinha um volante que de vez em quando um operário manejava e o tal cilindro inclinava-se e vomitava cimento para um carrinho de rodas. Não sei se o cimento são as minhas ideias e eu o operário. Pouco importa. Passemos à essência das coisas:
- A gorja do dia deu para pagar o táxi de Porto Adriano para Palma e o que sobrou foi consumido em cervejas ab ante, enquanto esperava o dito táxi (que tive de chamar três vezes, de passagem se diga). Ainda por cima penso que o gajo me enganou, mas desta vez não me chateio, o gajo enganou-me honestamente, não sei como explicar isto;
- O Jaume tem uma marca nova de hierbas. Novas é uma maneira de dizer: é Muntaner, que já conheço do excelente vermute que faz. Aparentemente lançaram-se às hierbas. Abençoados sejam;
- Ainda no Jaume: três divindades nórdícas daquelas que nos fazem pensar em «embalar a trouxa e zarpar» rumo ao sol da meia-noite, aqueles sacanas daqueles nórdicos tiveram que levar com o clima que têm para pagar tudo o resto;
- Antes do Jaume: um gelado de lichi no Claudio. E não é só o gelado. O gajo faz tudo ao contrário do que eu lhe digo: serve-me antes da fila toda, põe-me duas bolas enormes (uma de lichi e outra de pistaccio) e cobra-me metade «porque as bolas eram pequenas». Já nem reclamo. Limito-me a pensar que um dia vou ter de pagar isto tudo, tanto mais que:
- Ao Claudio antecedeu um jantar no Gustar, cujos pormenores passo por vergonha e pudor.
No Jaume a mesa à minha frente fala de Glenn Gould mas eu não oiço: segunda vou para Bologna e daí para Cesenatico buscar uma lancha para «Messina ou Palermo ou... não sei», diz-me o gajo que me contratou, que de caminho me pediu para ser eu a comprar o bilhete para Bolonha, coisa que me apressei a fazer porque ando doido por uma boa pratada de polenta e no meio disto tudo penso na gorja, no táxi e digo-me que pelo menos não toquei no salário e de qualquer forma amanhã há mais, seja Deus louvado, se bem seja só meio dia e o salário mais baixo, claro.
Isto mistura-se tudo.
E no fim em vez de cimento saem dias, noites e vida.
Vida diluída em mar, cerveja, vinho, hierbas, rum, uma lancha absolutamente sublime (Frauscher 41, se por acaso), um táxi que me trouxe pelo caminho mais confortável para me levar cinco euros a mais, carne de se cortar com o garfo e mais uma série de coisas que escondo (outra vez) por vergonha e pudor, não vá o diabo tecê-las. E agora a música de Hildegarde von Bingen, nunca é demais citá-la. Não há acção de graças completa sem ela. Hesito em deitar-me: custa-me apagar a luz sobre um dia destes.
Isto mistura-se tudo.
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O corpo pede-me mezcal e eu dou-lhe hierbas. Como é que ele não há-de reclamar?
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Estou quase naquela idade em que o amor e a amizade não se distinguem. É como aqueles filmes em que um gajo percebe a história mas leva anos a perceber-lhe o sentido.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.