Sim, lembro-me do sonho. Ou melhor: de como acabou, pneu traseiro da bicicleta cheio de bocados de vidro e eu sozinho na praça (da Figueira?) a pensar que tinha de levar a burra a pé até à loja de bicicletas que fica ali ao pé da câmara municipal, a câmara-de-ar cheia de furos e foi aí que acordei, sem vírgulas ou outras hesitações e pus-me a caminho do dia, bicicleta lá em baixo presa por dois cadeados e a ansiedade presa a mim pelo ventre como se fôssemos irmãos siameses, a ansiedade e eu. Não se esvazia como um pneu de bicicleta trespassado por cacos de vidro.
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Está frio, o dia cheio de sol e eu de calor em todo o lado, da alma aos ossos e destes à pele e de volta àquela. Pus o meu blusão de pele de carneiro comprado em Gibraltar, o chapéu largo de camponês e fui ao mercado de Alvalade comprar legumes para o frango de amanhã. Falta rum para o vinho quente e não me falta nada para ser feliz.
É mentira. Falta. Mas é só uma coisa e eu sei viver sem ela, estou habituado, de maneira aprendi se não a ser feliz assim, pelo menos a não ser infeliz. (Isto desde que não se teçam laços entre a felicidade e a ansiedade, duas emoções que podem co-habitar, como o meu chapéu de campesino e o meu blusão de pele de carneiro, por exemplo.)
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Absorvo Lisboa por todos os poros.
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Mercado de Alvalade: cafés, aguardentes (no plural), vinho tinto, bifana, pão de Mértola. Seis euros e noventa cêntimos. Digo ao senhor que deve ter-se esquecido de qualquer coisa na conta. Refá-la e diz-me que não, está tudo.
Como se o Sol não fosse suficiente.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.