Entras gentilmente pela noite e sai-te pelos poros o dia, como se os cobertores te espremessem a alma, essa parte incógnita, escondida e confusa de ti. Vês o dia sair, volutas do fumo de um cigarro e igualmente aquecidas. Pensas no dia espremido como um limão, "até que as sementes se partam". Não tens sementes. Há muito que deixaste de acreditar em tudo o que esteja a mais de cinco segundos de ti. Deixaste de acreditar nas pessoas. Só acreditas nos sentimentos que a elas te ligam: a amizade, o amor, a indiferença, o mais vasto dos sentimentos. O resto vai para o caixote de lixo do tempo, semelhante ao da História mas mais pequeno porque é teu, só teu. Aprendes a diferenciar as palavras do que as subtende, do que as sustenta. Palavras não são senão sons, ar em movimento. Acreditas no que vês, mesmo que não seja visível. Pensas nos teus tempos de linguística: audível / visível. Sintagma e paradigma. Agora, nesta noite pela qual entras enquanto o dia sai, és tu o eixo horizontal e o dia o outro, o vertical, ao longo do qual se organizaram as horas, os futuros, os passados e tudo aquilo que os preenche, a todos.
O tempo é um rio que desagua num delta com dois braços: indiferença e sentimentos. As aluviões acumulam-se em cada um deles. Cada vez separa melhor as areias de um e de outro.
Agradeces ao dia, à noite. Gentilmente. Dormes.
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Com as palavras teces um tapete que o tempo vai desenrolando à tua frente, enquanto caminhas puxado pelas palavras.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.