3.2.25

Às portas da morte

Sou o orgulhoso possuidor de duas gripes anuais nos anos normais e uma nos bons. Zero gripes só me aconteceu naqueles períodos em que não tive invernos, o que, ironias à parte, não é tão bom como pode parecer. Uma vez, num desses anos fui a Genebra em Março ou Abril e a primeira coisa que fiz foi ir a uma montanha aonde havia uns restos de neve. Não me engripei mas regressei com prazer às primeiras vezes que vi neve, ao largo do Japão e depois durante um interminável Inverno em Nakhodka.

As minhas gripes ocorrem normalmente no princípio e no fim do Inverno, naqueles períodos em que ainda é mas já não é Outono, ou já é mas ainda não é Primavera. São gripes simpáticas, pesadas, honestas que se tratam com três ou quatro dias de cama, uma quantidade copiosa de chá preto com rum branco numa proporção de metade metade (sou pela mestiçagem) e algumas terapias farmacêuticas, dependendo estas da pessoa que me está a "tratar".

Há quem troce dos efeitos que uma gripe tem num homem. São pessoas insensíveis, essas. Um homem não "parece" que está a morrer. Um homem morre com uma gripe. Um homem desvanece-se, deixa de ser, desfaz-se em suor e fica sujeito às ordens e ao sarcasmo de uma senhora (geralmente, no meu caso. Nós homens não sabemos "tratar" gripes alheias). Uma gripe está para a parte masculina da humanidade como a mudança de casca para uma lagosta: é um período de fragilidade intensa a que se segue uma ressurreição. 

Hoje creio ter escapado tangencialmente a uma dessas maleitas precoce. É a natureza a avisar-me, na sua bondade: prepara-te e avia-te, Luisinho. Não tarda estarás às portas da morte, que te acolherão com a hospitalidade do costume e te expelirão de regresso à vida real alguns dias depois, com a acrimónia de sempre.

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