26.2.25

Diário de Bordos - Comboio Caminha - Lisboa, Portugal, 26-02-2025

A CP tem algumas falhas: os comboios andam sempre atrasados, as casa-de-banho são inutilizáveis, o aquecimento (hoje, numa das carruagens) e as portas não funcionam ou funcionam mal, têm rodas ovais e carris tipo montanha-russa e a oferta no bar é fraca. Porém, tem um ponto forte: o pessoal - pelo menos os revisores. Aqui fica mais uma lauda aos senhores que na minha adolescência conhecia por «picas» e agora também, com mais ternura. A história de hoje está de novo relacionada com viajar com a bicicleta e o meu desejo de viajar em primeira classe, coisas que a CP acha incompatíveis. Felizmente os revisores que até agora tenho encontrado não partilham essa incompatibilidade. (Ainda só tive uma excepção: senhora jovem. Obviamente não se pode - ou melhor, não se deve - tirar ilações. Foi a única senhora e um dos poucos jovens que encontrei.)

De maneira cá vou: atrasado, em primeira classe, numa carruagem não aquecida - mas desta vez não paguei a diferença de preço da segunda para a primeira, custo que levar o anorak vestido desde o início da viagem cobre largamente. Escrever no computador deve ser semelhante a tentar fazê-lo montado num touro dos rodeos mas a paisagem é linda e a senhora que está sentada do outro lado do corredor também, apesar de estar calçada com sapatilhas brancas da marca Adidas, prática essa que me parece abominável diga o que disser uma senhora entendida em modas com quem troco comentários de vez em quando no Facebook. As sapatilhas são para courts de ténis, ginásios e outros locais de tortura, não para comboios ou qualquer outro espaço fora dos supra-mencionados.

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Dois ou três dias em Lisboa têm como pano de fundo o desejo de um dia trabalhar em Portugal. Sei que é difícil, mas se fosse fácil já estaria feito.

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A saúde do Papa interessa-me pouco, por assim dizer. Tal como empresas imobiliárias e políticos, trumpices, guerra na Ucrânia. A actualidade - essa forma fractalizada da modernidade - é pouco entusiasmante. Preocupam-me mais o estado da comunicação social, as ameaças à liberdade, o renascimento das religiões, sobretudo as laicas, preocupações essas que a beleza da luz lá fora, a  música da Idade Média italiana que oiço via Youtube, o perfil bonito e austero da senhora das sapatilhas, a ideia de que logo vou jantar com dois amigos próximos se encarregam com prazer de remeter ao seu lugar - o caixote do lixo.

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Vir a Lisboa não me excita particularmente. É como uma viagem de trabalho a um sítio aonde tenho amigos. Movimentações das placas tectónicas dos afectos, sem dúvida.

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ADENDA 

Há que corrigir injustiças. O revisor de hoje é jovem. Uso o presente do indicativo porque penso que ele não envelheceu entre a minha saída do comboio e a entrada na Merendinha do Arco, aonde agora me encontro. 

Com o objectivo óbvio de corrigir a segunda injustiça: Lisboa ocupa no meu coração um lugar permanente e tectónico-resistente. A ginginha Sem Rival, à rua das Portas de Santo Antão e o supra-mencionado restaurante Merendinha do Arco aí estão para o provar.

Mesmo que a ginginha venha em recipientes cada vez mais pequenos e cada vez mais caros. Old loves die hard. (Sugeri ao senhor Coelho que voltassem a usar os antigos copos, reservados à malta do antigamente, mediante palavra-passe.)

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