11.2.25

Ou tão pouco, vá lá saber-se

Oiço música medieval, bebo um rum cubano, escrevo num computador «americano» (aspas porque provavelmente veio da China) e penso na minha relação com a modernidade. Logo a seguir penso que o post começa com uma mentira: ando a pensar nisto há semanas. A modernidade terá talvez não o monopólio da mistura - essa nasceu com a humanidade - mas tem de certeza o da facilidade com que a mistura se produz. Não é por acaso que um dos meus jantares temáticos, cujo tema foi a modernidade, teve como menu uma série de pratos de fusão, do princípio ao fim. Menu e música, de resto.

Bom, voltemos ao tema, que isto de andar à roda (há bocadinho ouvi o God Bless the Child pelo Dolphy, um dos meus solos de jazz favoritos há cerca de duzentos e trinta anos)...

A modernidade tem coisas indiscutivelmente boas. Por nada deste mundo voltaria a navegar com sextante ou com rádios portáteis a fazer de gónio, por muito bons que tenham sido os resultados. Chegar ao Havre (ou a qualquer outro porto) sintonizando uma estação FM local e orientando o rádio a bordo para termos a certeza da direcção no meio do nevoeiro é exaltante - quando se chega. Antes disso não é nada, pela simples razão de que estamos demasiado ocupados a lá chegar para meta-pensar a situação. Para pensar, sequer. Ou entrar em Cherbourg em solitário sem óculos quando se era mais míope do que aquela personagem dos desenhos animados. (Além de que o GPS não nos rouba os momentos de exaltação - a entrada em Bere Island que o diga-. Diminui-os, quando muito.) 

Bom, voltemos ao tema. Detesto a modernidade, ela detesta-me e mantemos uma relação da qual nenhum de nós consegue escapar. Não é só o GPS que me prende a ela, se bem seja uma das amarras mais fortes, se não mesmo a mais forte. Nem a fusão rum/música medieval/computador/casa confortável/telefone portátil/livro de poesia de Nuno Júdice/e-mais-sei-lá-que-mais. É sobretudo esta falta de vontade de pôr em prática a vontade de não a viver. Ela não merece tanto.

Ou tão pouco, vá lá saber-se.

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