15.4.25

Diário de Bordos - Cole Bay, Sint Maarten, Antilhas Holandesas, 15-04-2025

Há quem pense que nós, marinheiros, tememos tempestades, capitães malucos, donos (ou armadores) incompetentes, mastros a cair e baleias a dormir. Nada disso, A pior maldição que pode cair sobre um marinheiro chama-se «à espera de peças». É dessa praga que sou agora vítima. À espera de uma peça que demora, neste tempo de globalização e o caraças duas semanas a chegar. Se não for mais.

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Comecei isto ontem, mas a mistura de rede fraca e cansaço levaram a melhor e acabei a dormir. Continuo hoje na Sucrière, manhã fresca: choveu abundantemente durante a noite e as nuvens ainda não se dissiparam. Gosto destes rituais: começo o dia, meto-me no carro, venho para aqui - tem horários mais adequados do que o Lagoonies, que só abre às oito - envio relatórios, contas e informação diversa ao proprietário - escrevo, bebo café e como um croissant, volto para bordo, tomo o duche matinal, começo o dia de trabalho... Há rotinas odiosas - metro, boulot, dodo exprime-as muito bem - e outras há adoráveis. Fazem-nos pensar que a vida devia ser uma repetição em loop delas. Não é.

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Ontem chegou o cozinheiro. É um rapaz de Curaçao que acaba de fazer uma viagem de bicicleta entre os Países Baixos e Cape Town. Nunca pôs os pés num barco. A primeira vez que atravessei o Atlântico à vela eram quatro assim, mas saímos da Europa e tiveram mais tempo para se aclimatarem. Este vai apanhar de chofre com quinze dias de mar.

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Philispburg só não é a cidade mais feia do mundo por duas razões: a) esse lugar pertence indelevelmente a Colón, no Panamá e b) porque tem este incomparável mar das Caraíbas a espreitar a cada esquina. Literal, não metaforicamente: a Front Street (uma das três ruas que a cidade tem no sentido Lest - Oeste - uma das outras é a Back Street) é mais ou menos regularmente cortada por ruas ou passagens ou travessas ou como lhes queiram chamar pelas quais se pode entrever o mar, este azul que é uma dissonância cognitiva: como é que uma cidade tão feia tem relâmpagos de tal beleza?

Ainda por cima, hoje estavam dois navios de cruzeiro no porto, o que torna o sítio ainda mais feio.

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É happy hour e o Lagoonies está cheio a abarrotar. Franceses, ingleses, americanos, stews, cães, marinheiros, funcionários das diversas empresas que prestam serviço à náutica de recreio, mais marinheiros - facilmente reconhecíveis, gentleman sailors que esperam a largada do ARC Europe. 

E eu. Que só tenho aqueles versos na mente: I know them. / I am one of them. Bem sei que são de e para Bequia, mas podem decalcar-se para aqui.

(cont.)

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.