31.5.25

Diário de Bordos - Horta, Faial, Açores, 31-05-2025

Os Açores são o sonho de todo o marinheiro. Sonho e realidade encontram-se no Café Sport, também conhecido por Peter. É certo que hoje a clientela não é constituída quase exclusivamente por pessoas que aqui chegaram de barco, mas que importa? Que pode a turisficação fazer face à memória? Nada. O Peter continua a ser o lugar mágico que sempre foi e não deve haver marinheiro no mundo que mal entre ali não se sinta imediatamente em harmonia consigo, com os outros marinheiros, com o mar, com a vida.

Outro poder dos Açores: a capacidade que estas ilhas têm de transformar chuva em beleza. É verdade que não são as únicas - basta ir à América Central, à Irlanda, a tantos sítios. Mas os Açores operam essa transformação melhor do que qualquer outro lugar do mundo, devido a esta mistura de latitude, longitude e orografia. A beleza aqui é mais profunda, mais mágica (esta palavra está gasta, eu sei, mas por agora fica), tem mais sentidos do que a de qualquer outro lugar. Talvez porque não seja só a chuva que estas ilhas transfiguram. Até a lava, meu Deus, a lava, uma rocha preta e cheia de arestas se faz linda. Estou persuadido de que a simpatia, a gentileza e a hospitalidade  desta gente provêm da beleza na qual banham todo o dia, todos os dias.

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Fui passear pelo Pico, o mais belo seio que a geografia produziu. Refiro-me a seios de pedra, claro. Conheci o dono da Companhia das Ilhas e a sua adorável mulher, comprei meia dúzia de livros, arranjei um editor para a continuação da publicação do DV, comi umas lapas bastante decentes num café chamado Cinco (ou coisa que o valha) e fiquei com vontade de me fustigar por não ter visitado mais o interior das ilhas quando aqui navegava. Nunca fui grande turista e de qualquer forma a Companhia das Ilhas não existia. 

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Factos relevantes do dia (ordem cronológica inversa):
- Vim jantar a um restaurante de sushi aonde me zanguei com a empregada, quiçá injustamente;
- Encontrei um americano simpatiquíssimo, passe a redundância. Navegador solitário;
- Escrevi um monte de postais;
- Fui ao supermercado (hiper) Continente comprar Ziplocs. Aquilo é assustador. Não porei lá os pés para o aprivisionamento;
- Encontrei um talho que me embala as carnes em vácuo;
- Dormi uma sesta de hora e quase meia e mesmo assim foi insuficiente;
- Tratei da grande e do amantilho;
- Comprei trinta e dois metros de cabo de doze para o segundo rizo. Na segunda levam-mo a bordo e instalo-o;
- Levei o casaco de linho branco à lavandaria, ver se conseguem tirar a nódoa do polvo de ontem;
- Falei com o J. S. A Mid Atlantic não quer ajudar-me com a carta. Compreendo e não lhes quero mal, mas chateia-me porque o apoio ao cliente da B&G é uma merda (o que explica que eles não queiram fazer o trabalho) e agora quem vai ter de se haver com aquilo sou eu;

Tudo isto com uma maldita constipação que está vai não vai para se transformar em gripe.

Detesto restaurantes que se aproveitam das minhas indecisões para me facturar o dobro do que eu quero gastar. Metade do sushi vai para bordo numa caixa, consequência sem dúvida das alterações climáticas, do Trump, da transfobia e de eu ter deixado à discrição da empregada o que ia comer.

PS - Tenho vontade de voltar para o mar, apesar de já saber que não vou ter vento nenhum e terei de ir a motor.

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