Consegui fazer quase tudo o que tinha na lista. Quase é uma palavra que engana muito, eu sei, mas forçoso é reconhecer que nestas circunstâncias é reconfortante. A perspectiva de uma largada esta quarta-feira volta a parecer-me real. Uma das coisas que ficou por fazer foi ler o contrato, mas a M. B. pediu-me para ler um texto dela e entre um texto da M. e um contrato redigido por um advogado pago não à palavra mas à letra a escolha é óbvia. Nove páginas de juridiquês impenetrável. Tenho amigos próximos que são advogados; uma das pessoas que mais aprecio no FB é uma senhora advogada que não conheço sequer pessoalmente mas adoro ler - e aprender com ela coisas que não domino de todo, como a moda ou a cultura da actualidade. Porém, quando vejo contratos destes penso naquela anedota segundo a qual uma terrível falta de areia no deserto é ver quatro advogados enterrados até ao pescoço.
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O dia acaba em paz. O S. trouxe-me uma maquineta para capinar o sítio aonde estou atracado, o que me liberta de o pagar. S. é um daqueles pobres diabos como os os quais eu não quero acabar e de que os portos estão cheios. Impressiona-me ver a degradação entre o ano passado - quando o conheci - e este ano e espero que eu próprio não me degrade tanto e muito menos tão depressa. A verdade é que gosto da minha vida, se bem muitas vezes tenha a impressão de foi ela que me escolheu e não o contrário. Hoje a manobra correu bem apesar de ter uma tripulação que não sabe fazer uma volta de fiel ou um lais de guia - prova singela de que a personalidade das pessoas é muito mais importante do que o que sabem ou (passe a evidência) o que fingem saber.
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Vim ao bar L'Essentiel porque beneficio intermitentemente da sua rede quando estou a bordo e esta é a minha forma de lhe agradecer; bebo finalmente mojitos como devem ser: sem açúcar e com muito rum. A minha teoria é que este cocktail foi inventado para disfarçar o sabor do rum barato, opinião essa que me satisfaz e me leva a não a investigar seriamente. A minha admiração por Hemingway tem limites e este é um deles. Um bom mojito é feito com rum barato, sem açúcar e com gelo em cubos. Pensa tu o que quiseres, Ernest.
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O vento caiu completamente, o W. cozinha, o segundo mojito saiu quase perfeito, o bar está vazio e a música - merengue - está baixinha. Tenho uma tripulação maravilhosa. Queixo-me frequentemente de que a minha vida é feita de distâncias e pergunto-me com a mesma frequência: que seria dela sem a distância? Que seria dela sem a T., o M., o W.?
M. é um especialista em cibersegurança. Tem uma mente lógica, impressionante, linda para quem, como eu, gosta de lógica e acredita que «o binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo». Não sou o único, eu sei. Aos sessenta e sete anos pode perder-se a ilusão de que se é único.
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Fui com o W. ao Super U fazer compras. Tive de o deixar mal começámos. O hipermercado é uma das maldições da vida moderna. Há quem goste: aquilo estava cheio. Refugiei-me no bar vizinho, com uma cerveja Presidente e uma profunda reflexão: o bote está uma merda, o armador é impecável, a tripulação uma maravilha: que fiz eu para merecer tanta sorte? Como a vou pagar?
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.