A Lua nasce pela alheta de bombordo, cheia, cor-de-laranja, grávida de luz; a estibordo sai o dia, os cumes das montanhas recortados contra o cor-de-laranja e o azul escuro de fim de dia. Entre eles, o mar chão. Não há vento - tem sido uma constante deste Verão mas o barulho do motor do M. V. não estraga a paisagem. Nada a estraga, nem a memória do assalto de que fui vítima na Sicília, que me tem estragado os sonos. Saímos de Mallorca há dois dias, navegámos uma dúzia de horas à vela, hoje entrei em Cartagena para ir a bancas, amanhã entro em Motril para ir a petardos e depois de amanhã estarei em La Linea de la Concepción para ir a tudo: Bodeguiya, Cheminea, bancas, lastros para os petardos, mantimentos, lavandaria e sei lá que mais. Gibraltar marca a metade psicológica da viagem. Porém, talvez a verdadeira metade, a respeitar o provérbio chinês («metade de uma viagem de cem li não são cinquenta li; são noventa e cinco») seja o cabo de S. Vicente. Não tenho data: depende do vento no Estreito. Só quem navega no Mediterrâneo pode dar o devido valor à frase «viver dia a dia».
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Hoje lamenta-se o segundo aniversário do massacre em Israel. O anti-semitismo regressou em força e instalou-se no Ocidente. Não creio que regressar seja o verbo adequado. Nunca saiu. Escondeu-se debaixo do tapete e hoje agradece aos israelitas poder reaparecer. Viva la muerte! De todos os racismos é o mais abjecto, o que menos compreendo e aceito e lamento o tempo em que navegava sem internet. O mar continua lindo como sempre foi mas já não me filtra o mundo exterior.
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08-10-2025, duas e meia da manhã. A . e o B. dormem. Com uma tripulação destas até numa jangada com força 10 se estaria bem. Que contraste! Mas não estou numa jangada e o vento está a zeros. A água parece uma banheira de bebé, Oríon está pela popa - um bocadinho pálida por causa da Lua - na costa as luzes sucedem-se ininterruptas. Felizmente é noite e não se vê o branco das estufas. Já houve tempos em que reclamava contra a ausência de vento. Agora lembro-me de que prefiro um dia de calma podre no mar a um de badanal em terra.
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Passo por três navios de pesca - ou eles passam por mim - que vão pescar para o mesmo sítio e encho-me de compaixão pelos peixes que não têm a mais pequena chance de escapar.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.