27.11.25

Diário de Bordos - No mar, entre o Mindelo e St. Lucia, 27-11-2025

Espero a chegada do sono e a das palavras. Vêm frequentemente juntos. Já de vento não vale a pena esperar muito mais: entre quinze e dezoito nós, a fazer um rumo bastante correcto e com tudo a funcionar bem; tudo sendo velas, motores, dessalinizadora e grupo electrogéneo. Chegamos segunda-feira. Só não sei a que horas.

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Nestes barcos, o distinguo entre tripulação e passageiros é fluido. Intuitivamente, sei que somos dois tripulantes - o D. e eu - e seis passageiros- a P., o J. e os quatro etíopes. Destes, três não fazem quartos (o outro tem dois anos) mas tratam do interior. Lavam pratos e passam o aspirador. O D. faz tudo - cozinha (excelentemente), faz quartos e trata de tudo a bordo. Falta-lhe um pouco de qualquer coisa mas compensa bem com a vontade de aprender e a vontade de fazer.  Tem um dente de prata (ou prateado) que lhe dá um aspecto horrível quando abre a boca mas como é voluntarioso e eficaz a coisa passa.

Eu faço o resto, que parece pouco e é muito. Não me posso queixar, pelo menos até agora. Vou batendo na madeira para que isto continue assim. Temos de fazer quase quatrocentos litros de água por dia, carregar baterias meia dúzia de horas - um parque de novecentos a/h de lítio com alternadores e carregador de origem não vai longe - e navegar no inevitável caos que foi a arrumação das provisões: compras feitas pelo escritório, enganos do supermercado nas entregas, confusão com o número de pessoas a bordo de cada barco (somos quatro, três catas e um monocasco). O resultado é que as coisas não foram arrumadas. Foram postas ao calhas e aonde havia lugar. Além disso, temos uma quantidade infinita de algumas coisas e outras estão a acabar.

O meu inabalável optimismo resume tudo bastante bem: tens comida, água, combustível, vento, motores, velas e uma excelente tripulação. Que queres mais? Nada, claro, excepto chegar depressa para dar um abraço ao meu filho T. e beber uma cerveja.

Com álcool, que as sem são pecado mortal.

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PS - não chega bem a quatrocentos litros por dia mas anda lá perto. É aterrador. Cinquenta litros por dia e por pessoa!

Há muito que desisti de formar marinheiros. (E beneficio disso: um duche por dia, loiça lavada com água doce na cozinha ou na máquina de lavar (!), lavagens de roupa quotidianas (eles. Eu vou na segunda e é um pau por uma pedra. Há que manter vivas as tradições familiares). Claro que me irrita passar o dia a ouvir o grupo ou os motores - uso-os alternadamente para carregar as baterias, por razões longas demais para explicar aqui. 

Além disso, tenho um duche à espera.

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