28.11.25

Diário de Bordos, aonde se fala de squalls e outras coisas, 27-11-2025 / II

A navegação nas Caraíbas sofre de duas pragas, desculpem-me a repetição,  já aqui falei disto uma vez há cerca de duzentos anos. Uma é a burocracia,  da qual tive recentemente um cheirinho, mesmo em alto mar, modernité oblige. A outra são os squalls. Em francês: grains. Em espanhol: chubasco ou chaparrón. Em português: creio que a tradução correcta é aguaceiro mas não tenho a certeza. O Deepl e o Google dão-me tempestade, borrasca. Estão errados. Paciência. Um squall é uma mini-tempestade súbita, com um aumento brusco da força e direcção do vento, acompanhada por chuva violenta. Em linguagem simples e corriqueira, um squall é uma merda. Em primeiro lugar porque tem um movimento próprio. O vento que gera pode chegar a fazer noventa graus com o vento sinóptico - o que dá frequentemente origem a cambadelas desastrosas. Em segundo lugar porque é imprevisível: um gajo pensa que ele vai para sul e o sacana muda de direcção com a agilidade de uma gazela perseguida por um leão. Às vezes alinham-se uns a seguir aos outros e fazem uma parede de trovoada, chuva, relâmpagos e raios que pode durar horas ou dias - já me aconteceu por duas vezes, uma entre Grenada e a Martinique  - passei o dia todo com uma dessas paredes a quatro ou cinco milhas por estibordo e só me caíram um ou dois em cima ao fim da tarde, quando ia a entrar em Bequia para descansar, obrigado à regulação francesa que não pemite navegação em solitário mais de uma certa quantidade de horas, não me lembro de quantas. (Isto não se aplica ãs regatas em solitário,  obviamente nem aos trajectos privados). Outra vez foi entre Providência e St. Martin. Três dias com uma assustadora muralha de raios, trovões, squalls e relâmpagos bem mais longe mas muito piores. Felizmente não apanhei nenhum. 

Hoje, agora, um "aguaceiro" (aspas porque duvido) acaba de me passar uma rasia. Só que não consigo perceber se vêm mais ou não. A norte o horizonte está bastante escuro e fechado mas não vejo mais sinais de badanal. Pela proa está assim assim (e muito bonito, com a Lua em Crescente, horizontal, a iluminar desigualmente as nuvens, espalhadas por várias altitudes e o mar, esse sim, uma estrada prateada muito bem delineada).

Ou seja: uma noite de standby, que é a expressão inglesa para uma noite de merdaSem o amantilho não posso rizar - poder posso, mas só depois do fim do último caso - de maneira enrolei a genoa toda, sempre me dá mais margem de manobra e aqui vou, a olhar alternadamente para o céu, para o horizonte e para o telefone aonde escrevo, vestido com o casaco Henri Lloyd que começa a perder a impermeabilidade, tal como as calças que não tarda vão à vida (ou seja, para o lixo, raio de expressão), substituidas por umas Gill compradas em Gibraltar e que ainda não precisei de pôr porque o squall do outro dia veio repentinamente demais e não me deu tempo para as estrear. 

O céu a norte começa a limpar e vou desenrolar a genoa. 

Não vou nada. Vou cantar laudas por ter escapado a um e olhar para a beleza do céu, com as nuvens caoticamente delineadas pela meia Lua que não tarda mais de três quartos de hora se põe e vai deixar a noite sem pingo de luz.

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