30.11.25

Diário de Bordos - No mar, entre o Mindelo e St. Lucia, 30-11-2025

Uma das senhoras etíopes está doente há uns dias. Como não se queixava muito pensei que era enjoo, perguntei-lhe se queria comrimidos para o dito, respondeu que não e pronto, a coisa ficou por aí. Hoje ia entrar de quarto às três da manhã e vejo-a sair da casa de banho num estado de meter medo a um médico legista. Entretanto o cunhado e a irmã também acordaram e ee volta-se para mim e diz: talvez seja preciso chamar um médico quando chegarmos. Estávamos então a quase trezentas milhas de St. Lucia e a minha vontade de esperar dia e meio ou mais não era, por assim dizer, muita. Perguntei-lhe se os comprimidos que lhe tinha dado na véspera tinham tido algum efeito. O primeiro Buscopan sim, o segundo não - ou melhor, piorou. A senhora não tem febre, fala quase ininteligivelmente, transpirava abundantemente e eu começo a ver a vida andar a ré a toda a força. Perguntei-lhes se conheciam algum médico etíope que se pudesse chamar por Whatsapp, a resposta foi sim. Pouco depois liguei a um amigo americano que vive na Suíça e confirmou a terapia proposta pela médica etíope: água com açúcar e um bocadinho de sal. Provavelmente a senhora está com uma gastroenterite e, acrescentou, isso «é muito contagioso». 

Espero que não. A sê-lo, já a teríamos todos apanhado. De maneira é isto: motorsailing para Rodney Bay Marina. ETA amanhã às três ou quatro da tarde. Entretanto a senhora está mais calma, dorme no salão, vai bebendo regularmente água com açúcar e um bocadinho de sal e eu prometo que nunca mais vou dizer que não a um Starlink a bordo.

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Os preconceitos ou vêm comprazo de validade ou resvalam para a estupidez. Digo eu, que sou bastante ambivalente com as minhas ideias preconcebidas: agarro-me a elas com unhas e dentes e troco-as por outras mal se me apresenta uma razão suficientemente forte para justificar a troca. Hoje, foi a vez do «Não!» ao Starlink. Verdade seja dita: já há algum tempo andava a pensar nisso. Afinal, sempre tivemos meios de comunicação a bordo, desde as bandeiras do Código Internacional de Sinais até aos rádios de ondas curtas. O VHF mantém-se, mas aqui não serviria de muito.  Seja como for: vê-los a trocar mensagens com a médica etíope e poder falar com o D. que está em Lausanne compensam largamente o que me aborrece estar tão dependente do FB mesmo no mar. A culpa é minha e não do Elon Musk, a quem estou infinitamente grato.

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Outra lição: refrescar os meus conhecimentos de primeiros socorros. Não me passou pela cabeça que aquilo poderia ser uma gastroenterite - é, quase de certeza - e estava completamente às aranhas. Tive alguns bons reflexos - a primeira coisa com a qual me preocupei foi a desidratação, por exemplo -, dei-lhe Buscopan (infelizmente a senhora é sensível aos efeitos secundários e tive de parar) mas aborrece-me ter feito isso um pouco por reflexo, às apalpadelas (salvo seja, claro).

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Mais uma lição: a gestão criteriosa que fiz do combustível permite-me ir agora a quase duas mil - e quando passar o que tenho nos jerrycans para os tanques espero poder subir um bocadinho. 

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.