Ele há dias assim, dias em que a merda do vento não entra, a porra do motor não se cala, a tripulação não tripula e eu vou por aqui a arrastar-me a cinco nós e a quinze graus do rumo na esperança de amanhãs que cantam, futuros ventosos e outras tretas que tais. Valha-me o D., que está a preparar um puré de batata para comer com os bonitos que apanhámos ontem, são pequenos mas chegam para todos. Sonho com o dia em que possa fazer isto com amigos, verdadeiros amigos, pessoas com quem se possa conversar. Ou melhor: com quem me apeteça conversar. Pessoas como o Nuno ou o Bruno, porra, aonde é que estão vocês quando eu mais preciso? Ou a Ana, há tanta gente por esse mundo com daria tudo para estar aqui agora.
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É que ainda por cima não posso queixar-me, cúmulo do desespero: o kalimero que em mim habita não pode manifestar-se por falta de razões. Ausência de perfeição não é sinónimo de desgraça.
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(Continuação)
A Lua apareceu, finalmente, muito branca, do tamanho de umaunha mal cortada. O vento subiu um bocadinho, entra tímidamente, à socapa. Pelo menos deu para enviar a genoa e parar a máquina. Claro que o rumo se ressentiu. Estou outra vez a quinze graus dele.
É um equilíbrio entre dois parâmetros: o SOG, em português velocidade no fundo e o VMG, velocity made good (näo conheço o equivalente na nossa língua e agradeço a quem mo ensinar). Velocidade no fundo é fácil: a velocidade à qual eu avanço em relação ao fundo do mar, regra geral diferente da velocidade na água por causa de correntes e outras derivas. O VMG é a velocidade à qual em avanço em relação ao objectivo. Quando a proa coincide com o rumo o VMG é igual ao SOG e eu sou um homem feliz. Não é o caso agora. O meu rumo é duzentos e setenta - Oeste - e o vento é Esnordeste. Ou seja, está-me praticamente na popa. Para aumentar o meu SOG devo orçar, mas não demais porque senão lá vai o VMG pelo cano. Uma embarcação de vela é um bicho esquisito que não navega com o vento na proa mas tão pouco gosta dele pela popa arrazada. Há que pô-lo na alheta, ou seja a cerca de cento e sessenta graus da proa, mais coisa menos grau.
Para explicar isto tudo bem explicado seria necessário introduzir os conceitos de vento real e vento aparente. Fica para depois, pode ser? Agora tenho uma mini-Lua e meia dúzia de estrelas para ver.
Posso contudo lembrar aos meus generosos e tolerantes leitores que para um marinheiro a distância mais curta entre dois pontos raramente é um linha recta. O que ajuda a explicar muitas coisas.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.