22.11.25

Diário de Bordos - No mar, entre o Mindelo e St Lucia, 22-11-2025

Não há Lua: a noite está escura como o fundo de uma gruta; não há nuvens: o tecto da gruta está cheio de buracos, milhares deles; não há vento: a perfeição não existe. O problema agora reside em saber quando o terei. Com sorte, domingo. Continuo a pôr sul no meu rumo, doses pequenas,  uma dúzia de graus. A esta velocidade, mais é inútil: quando lá chegar já ele se foi (isto é mentira, eu sei. Daquele tipo "O meu tio da América")... Vejo mais vezes as previsões do que uma freira se benze quando passa à frente de um bordel. Vai para sul, jovem. Vai para sul. Enfim.

A verdade é que são quase quatro da manhã e Orion já está de pernas para o ar. Estou a sul que chegue, ó capataz disto tudo. Sirius está por cma das três marias. O céu começa a limpar-se das estrelas mais fraquinhas, coitadas. Só lhe vejo um pequeno sector, por causa do bimini. Os barcos deviam ser descapotáveis como alguns automóveis. É uma pena ter de me levantar e andar três metros para ver o que se passa a norte. A Polar não deve estar visível. 

Não está e a Ursa Maior vê-se mal. Volto para o meu lugar. Prefiro olhar para este negro absoluto que tenho pela proa, que a luz do telefone torna ainda mais negro. O absoluto não existe.

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Era preciso virar o cinto do avesso mas em Palma o meu sapateiro precisava de uma semana e dez euros. Como é o único cinto que tenho e preciso dele, graças a Deus e ao Trulicity, declinei. Em La Linea o sapateiro que fica à frente da livraria precisava de dois euros e meio e devolvia-mo no dia seguinte. Aceitei.

Quando chegar à Martinique terei de comprar um novo, coisa que me aborrece porque este agora está bom. Bastar-me-ia ter menos dez ou quinze centímetros de tour de taille. Não há sapateiros como os nossos. É o que sabemos fazer: sapateiros, futebolistas e emigrantes. E costureiras, claro, daquelas que ainda sabem virar os colarinhos às camisas. 

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O capataz disto tudo bem podia enviar-me um bocadinho mais de vento em vez de sapateiros que me fodem o cinto. E pôr-me a trabalhar num setenta pés, já agora. 

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Ontem tomei um comprimido para a dor no braço. Passou e não voltou (ainda, claro). O Sul e a química resolvem quase tudo.

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