3.9.04

Claire - II

II

Mudei para casa dela alguns meses mais tarde, após ter arrendado o meu apartamento a um ex-coronel do exército em busca, pareceu-me, de uma garçonnière ou de um abrigo contra as guerras atómicas da sua vida. Há muito que pensava vendê-lo, mas por uma vez dei atenção às sirenes de alarme que tocavam em mim desde o princípio da minha relação com Claire. A casa dela era grande, e no rés-do-chão eu tinha lugar para instalar o meu escritório; e era bonita, bem localizada e bem decorada – não fora a maldita televisão que Claire insistiu para que eu pusesse ao lado da secretária, afim de me vigiar. Disse-lhe que não via televisão, e ainda menos programas infantis, mas nada a fazer: Claire era a ilustração viva do aforismo “o que mulher quer Deus quer”. Instalei portanto a televisão e depressa compreendi que ela não brincava, como eu pensara, quando dizia que me queria vigiar: em breve começou a exigir que eu descobrisse a expressão “codificada” que utilizava no programa e me era destinada. “Assim sei que estás em casa e não tens o espírito ocupado noutras coisas, pelo menos durante a minha emissão”, explicou-me. E todos os dias excepto aos sábados e aos domingos, dias consagrados às nossas famílias, a minha no sábado a dela no domingo, eu tinha de sofrer aquela tortura.

E de felação em sodomia em penetração e mútuas masturbações, de carícias permanentes em juras de amor eterno a nossa vida comum tomava forma. Eu amava-a, ainda a amo apesar do que ela me fez, e gostava do seu sentido de humor, da sua imaginação, da sua cultura. Os abismos de insegurança e de ciúmes nos quais ela mergulhava fascinavam-me mais do que me aborreciam, pelo menos ao princípio.

Mas um dia, inevitavelmente, cansei-me. Estava farto, não podia mais, não do sexo em si, mas da permanente insegurança dela, de me sentir prisioneiro numa casa magnífica, da qual já não conseguia sequer apreciar as qualidades, de não poder dar um passo sozinho sem me sentir culpado. Há dois anos que vivíamos juntos, e cada dia me parecia mais longo que o anterior. Queria voltar para minha casa, dizer ao ex-coronel que fosse procurar outro abrigo ou outras guerras, estar sozinho, ir à casa de banho de um bar sem temer que Claire me irrompesse pela porta dentro com exigências idiotas, queria poder fazer um sorriso à miraculosa empregada do bar onde à noite iamos beber um copo sem sentir as suas recriminações e beliscões. Queria voltar para casa.

- Claire, preciso de te falar.
- Falar? Falar de quê? Cala-te e fode. - O medo tornava-a ordinária.
- Claire, vou voltar para casa. Amo-te muito e sempre te amarei, mas preciso de um pouco de calma e paz, pelo menos durante uns meses.
- Casa comigo.
- Claire, estou a dizer-te que me quero ir embora.
- Porque não me amas ?
- Eu amo-te. Amo-te. Mas preciso de pensar e preciso de espaço.
Estas conversas não levavam a lado nenhum. Claire chorava, tentava os métodos tradicionais, insultava-me; eu cedia, incapaz de me mexer e de a ver sofrer. E uma vez mais ela ganhava, o desejo tomava conta de mim e eu era incapaz de manifestar a menor força de vontade.

Não era mestre de mim. Mas aos poucos Claire foi mudadndo, e mudou consideravelmente : deixou de me pedir sexo incessantemente, deixou de me exigir a “palavra passe” do seu programa. Durante uns meses a nossa vida tornou-se banal, normal, sexo na cama e férias em agosto. Claire deixou de me falar em casamento, em crianças, que ela tanto queria, e tornou-se a adorável, bonita, engraçada miúda que eu tinha visto naquela festa, há tanto tempo.

Um dia disse-me:
- Estou farta de programas infantis. Na rentrée vou mudar. Vou propôr-lhes um programa científico.
- Tens razão. – Na verdade, não sendo obrigado a ver televisão todos os dias, e a descobrir os "afiar a faca" e os "soprar no trombone" ou fosse o que fosse que ela espalhava pelas emissões eu achava que ela devia continuar com o programa infantil, que tinha um êxito considerável.
- Que achas que devo fazer ? Tenho vontade de fazer uma emissão científica.
- Porque não um programa erótico?
- Oh, não sejas estúpido, por favor.
- Não é estúpido. Devias ser obrigada a dar cursos de sexo nos internatos femininos.
- Pára.
- Quem parou foste tu. Vem cá querida, vem cá… - Em três anos de vida comum, foi a primeira vez que lhe pedi sexo.

Claire mudara, radicalmente. Até os ciúmes tinham acabado. Encorajava-me a sair, e perguntava a minha opinião sobre as outras mulheres, suas colegas na televisão ou amigas nossas.
- E a Inês, gostarias de a conhecer? - Claire sabia que eu tinha um fraco por Inês, a apresentadora do telejornal, uma loira vaporosa que parecia viver pessoalmente todas as notícias, boas ou más, que lia. Tinha lábios grossos, grandes, e eu imaginava muitas vezes a técnica de Claire com aqueles... e parava aqui, porque aos poucos convencera-me que ela lia os meus pensamentos, os absorvia pelo esperma ou pelas minhas orelhas, quando nelas enterrava a língua até eu não saber em que planeta estava, de que planeta vinha.

Mas não foi Inês que ela convidou para jantar. Foi uma rapariga que eu conhecia mal, Paula, uma fotógrafa morena, muito pequenina, com uns olhos e uns seios enormes, simpática e empreendedora.
- Olá, Pedro, Claire falou-me muito de si… - e os olhos brilhavam.
- Nada disso, – interrompeu Claire – quem não pára de falar em ti e te acha muito bonito é ela.
- Viva. Entre e sente-se. Quer beber alguma coisa?
- Champagne, por favor. Parece que é a bebida da casa, não ?
As velhas sirenes de alarme puseram-se de novo a tocar.
Fui à cozinha preparar as bebidas e os aperitivos e quando voltei à sala estavam as duas nuas, a fazerem-se mutuamente um cunnilingus. Paula por cima, as nádegas altas, firmes, redondas. Os seios eram grandes e com eles roçava o ventre de Claire, que com um olho via o que a outra fazia e com outro olhava para mim, trocista. A coisa estava combinada, pensei. Tinha a garrafa e os copos de champagne nas mãos. Pousei-os e abri a garrafa, sacudindo-a tanto quanto possível. A rolha saltou para muito longe, e a espuma jorrou abundantemente. As nádegas de Paula estavam bem afastadas, e eu via o seu ânus, rosado, parecia que olhava para mim como os cegos que no metro pedem esmola. Tentei sentar-me e beber calmamente uma taça enquanto olhava para elas, mas não consegui. Aquele botãozinho rosado interpelava-me, como diziam antigamente – e se calhar ainda hoje dizem – os intelectuais parisienses. Nem me despi: abri a braguilha, tirei o membro já pronto para fora, reguei copiosamente o rabo da Paula e a glande, e eis-me lá dentro, com um pequeno « ouf » dela, não sei se de dor se de alívio. Paula tentava agora coordenar os movimentos comigo e com Claire. De vez em quando sentia a língua de Claire através da fina membrana que separa a vagina do ânus. Tinha as mãos em redor da cintura de Paula, e não a queria largar, só queria ejacular muito depressa e muito fundo. Regularmente regava-nos de champagne, que caía na boca de Claire. Paula apercebeu-se que os meus movimentos aceleravam e pediu-me para esperar um pouco. Claire ouviu e deu-me uma pancada nos testículos. A dor quase me fez perder a erecção, mas pelo menos permitiu-me retardar a ejaculação e continuar. Entretanto elas mudaram de posição: Claire pôs no mesmo sentido que Paula e eu e beijava-a furiosamente. Os seios delas tocavam-se, esmagavam-se, roçavam-se e Claire explorava com a língua a cara de Paula: fazia-lhe aquilo que tão bem fazia comigo, a língua entre os lábios e os dentes, na base do nariz, nas orelhas; com uma mão ela acariciava o alto das minhas coxas e com a outra masturbava a amiga, enfiava-lhe dois dedos pela vagina dentro e eu sentia-os no membro também. Paula veio-se: parecia uma barragem cujas comportas se abriram de repente; Claire estava inundada daquele líquido claro, tão parecido com água. Ejaculei também, fundo fundo no rabo de Paula, uma verdadeira bomba de sucção, os meus testiculos aspirados pelo frenesim das duas, e eu ejaculava, ejaculava, ejaculava.

Fui tomar um duche rápido e voltei para a sala com uma nova garrafa de champagne, a primeira estava vazia. Inês e Claire continuavam. Perguntei-me se elas teriam ensaiado antes de vir para casa, e se seria realmente a primeira vez que faziam aquilo. Parecia uma coreografia de Merce Cunnigham, os corpos muito próximos um do outro mas os gestos amplos e livres. Sentei-me, mas Claire chamou-me imediatamente:
- Querido, põe um pouco de champagne no vaso da Paula, por favor. - O que eu fiz. Claire, de joelhos, bebia gulosamente. Eu tinha a cabeça de Paula entre as minhas pernas, e estava fresco, lavado, a cheirar bem. Não há melhor afrodisíaco que um bom duche. Paula chupava-me o sexo, eu regava as duas de champagne mal vendo onde o punha, Claire excitava-se e voltava a ser a Claire que eu conhecia:
- Garçon, un peu de champagne, s'il vous plaît. – Por vezes gostava de falar francês, a língua da mãe. - E uma palha, uma palha bonita e grossa e grande, oh Deus misericordioso e generoso.

Claire deleitava-se com a mistura de champagne e de Paula; esta deleitava-se comigo e com Claire. E eu perguntava-me o que se teria passado, porque é que Claire, tão calma há tanto tempo, fizera isto, como pudera esuqecer os ciúmes a este ponto. Mas as perguntas em breve me saíram do espírito, e passámos a noite a fornicar, toda a noite; Paula e Claire faziam tudo o que podiam e sabiam para me provocar mais uma erecção, e outra e outra – e quando não conseguiam prosseguiam elas, sem mim. Gastámos todas as garrafas de champagne que tínhamos em casa, e depois passámos aos licores, Tia Maria, Khalua, Grand Marnier, Cointreau, experimentámos tudo.
- Podíamos abrir um bar - dizia Paula – e fazer cocktails que os pusessem doidos.
- Não, isto é bom demais para vender ou dar, isto é para nós e só para nós – respondeu Claire. Afinal não tinha mudado radicalmente.

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