3.9.04

Claire - III e fim

III

Amo-o, o meu Pedro, e sei que o faço sofrer com os meus ciúmes, com os meus medos e com a minha insegurança. Mas como explicar-lhe, como dizer-lhe, que não quero nunca mais encontrar-me só, nunca mais voltar para esta casa enorme e encontrá-la vazia, não quero nunca mais ter que comer sozinha, não quero nunca mais voltar para casa e ter que me deitar no sofá a ver televisão e não ter ninguém com quem falar, ninguém com quem partilhar o dia que passou e o que aí vem, não quero acordar e não ter ninguém ao meu lado, não ouvir um corpo que respira, não ter um ombro uma anca para tocar, não ter com quem comentar um livro, ouvir uma música, não ter a quem oferecer um presente ou quem me dê flores, não quero. Não gosto da solidão, nuna a suportei, e no fundo sempre estive só, o meu pai na sua fábrica, a minha mãe nas obras de caridade ou nos braços dos amantes, os meus irmãos a bater-me como se eu fosse um tapete, e eu não tinha senão os empregados do meu pai para falar e me dar um pouco de ternura. Não quero estar só, nunca mais, como fiquei depois do Ricardo me te deixado, ele queixava-se que eu lhe fazia as melhores felações do mundo mas que isso não chegava, era preciso variar a vida de casal, percebes Claire? Não, Ricardo, não percebo, por ti fiz tudo e se isso não chega eu prometo-te que farei mais ainda, Ricardo, não me deixes. E comecei a comprar todas as revistas pornograficas que encontrava, para aprender, para saber de que gostam os homens, mas apesar disso tu foste-te embora, Ricardo, e agora é o Pedro que se quer ir embora, deixar-me só outra vez. Tudo, tudo menos a solidão, não fui feita para estar sozinha, Pedro, ouve-me, não me deixes, suplico-te, imploro-te, não me deixes. Ele diz que se sente numa prisão, uma prisão com a melhor vista de Lisboa e um escritório em casa onde pode trabalhar à vontade e todo o amor do mundo, o que lhe falta? Diz-me, Pedro, porque passas a vida a olhar para as empregadas dos cafés e dos bares, que têm elas que eu não tenho, porque não gostam elas de mim, já o Ricardo passava o tempo a olhar para elas e acabou por me trocar por essa puta infame do Café Aguarela, alta, morena, imperial, tão segura, tão bonita, uma verdadeira princesa.

Espero que me perdoes Pedro, mas não te posso deixar ir embora, não te posso deixar-me ficar sozinha outra vez, a solidão é a pior das misérias, iremos todos juntos Pedro, tu, eu, olha o que fizeste quando te trouxe a Paula, saltaste-lhe para cima como se eu não existisse, e todo aquele champagne, Pedro, o champagne é para nós, só para nós, não para as outras, eu falei nisso à Paula um dia por acaso, Pedro, e vi que ela também queria e depois quis ver o que farias tu, Pedro e tu saltaste-lhe para cima e aposto que a continuaste a ver, não negues, Pedro, aposto que continuaste a vê-la, e a regalar-te com aqueles seios tão grandes, tão bonitos, e aqueles olhos, Pedro, aqueles olhos, até eu os acho lindos. Oh, eu sei que tu dizes que me amas, mas tenho a certeza que se te fores embora nunca mais voltas, não acredito que te vás por um mês ou dois como dizes, Pedro, queres deixar-me de uma vez por todas e eu sozinha outra vez.

Quando fazia a pesquisa para a emissão sobre o Sida encontrei aqule tipo no hospital, quase morto e deixado ao abandono num canto, ninguém lhe ligava nenhuma, Pedro, que miséria. E todos os dias vinha chupá-lo, que termo horrível, e um dia lembrei-me de fazer um golpe na mão e de cada vez cuspia um pouco do esperma dela para a mão e esfregava-a bem, queria fazer uma autoestrada real para o vírus, e todos os dias o chupava com amor, como se fosses tu, Pedro, pensava em ti e no amor todo que tenho por ti, e e...

Desculpa-me Pedro, mas partiremos todos juntos, tu, a Paula, eu, e todas as empregadas de mesa com quem me tenhas enganado, não há nada mais triste do que voltar para casa e acender as luzes e não ter com quem partilhar esse momento tão bom, partilhar Pedro, partilhar é a palavra mais importante do mundo e quando se esta só, que há, para partilhar? Nada, Pedro, nada.


Fim

Genève, 2001

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